Bolsonaro perdeu porque os trabalhadores mais pobres votaram em sua maioria em Lula. A sorte do novo governo dependerá, principalmente, da sua capacidade de melhorar a vida da classe trabalhadora, cumprindo as promessas de campanha.
O povo quer mais emprego, salário, saúde, educação, moradia e cultura. Majoritariamente negra e feminina, a classe trabalhadora quer o direito a uma vida digna. O cenário atual, no entanto, é o inverso disso.
É intolerável que haja, em pleno século XXI, a expansão do trabalho análogo à escravidão. É inaceitável que existam nove milhões de desempregados, quatro milhões de desalentados, cinco milhões de subocupados e 35 milhões de trabalhadores sem proteção social e sem perspectiva de ter aposentadoria na velhice.
É inadmissível que existam 10 milhões de famílias morando em áreas de risco e 100 milhões de pessoas vivendo em regiões sem coleta de esgoto. É escandaloso que haja déficit de 6 milhões de moradias e de cinco milhões de vagas em creche. É incabível que as mulheres ganhem nesse país cerca de 20% menos que homens realizando o mesmo trabalho. É inaceitável que a hora de trabalho de uma pessoa preta valha cerca de 40% menos que a hora de trabalho de uma pessoa branca. Há muita coisa para mudar.
As mudanças necessárias
Perante o cenário de crise social, se faz urgente a revogação da reformas trabalhista aprovada no governo Temer. Sem direitos trabalhistas mínimos, não há possibilidade de dignidade a quem trabalha.
A valorização real do salário mínimo é outra medida essencial. Lula anunciará no 1° de maio aumento real de 1,6%, isto é, acréscimo de R$ 18 reais, totalizando R$1.320,00. É um passo positivo, mas tímido. As centrais sindicais reivindicam corretamente, considerando a inflação e o crescimento do PIB acumulados entre 2019 e 2022, reajuste real de 5,6% nesse ano, o que elevaria o mínimo para R$1.382,00.
O governo também vai anunciar a isenção do imposto de renda a quem ganha até 2 salários mínimos. Outra medida positiva, mas também insuficiente. É preciso, o quanto antes, que a isenção seja estendida até 5 salários mínimos, conforme prometido por Lula na campanha.
Uma campanha efetiva de erradicação do trabalho análogo à escravidão deve ser um compromisso público do governo neste primeiro de maio. As terras e o patrimônio de quem faz uso de trabalho escravo devem ser confiscados pelo poder público.
O programa Desenrola, feito para aliviar as dívidas das famílias, precisa sair do papel. Quase 80% das famílias estão com dívidas financeiras. Os juros abusivos cobrados pelos bancos tiram do trabalhador até o que ele não tem.
A decisão de Lula de paralisar o processo de privatizações merece ser saudada. Porém, é fundamental reverter a entrega feita por Temer e Bolsonaro de empresas e ativos públicos estratégicos, como a Eletrobrás, a BR Distribuidora, refinarias, entre outros.
As empresas estatais devem estar a ser serviço do desenvolvimento econômico e social com sustentabilidade ambiental. A Petrobrás pode cumprir um papel crucial em investimentos produtivos para a geração de emprego e renda. Assim como o programa Minha Casa Minha Vida e os projetos de infra-estrutura.
Combater a extrema direita e unificar a classe trabalhadora
Os trabalhadores estão divididos politicamente. Uma parte considerável ainda está sob influência da extrema direita. Para unificar a nossa classe, retirando a força do bolsonarismo em suas fileiras, é preciso acionar três linhas: cumprir as promessas eleitorais, fazer o enfrentamento político e ideológico contra a extrema direita e, não menos importante, ajudar a colocar os trabalhadores em luta pelas suas reivindicações mais imediatas.
Aos sindicatos, movimentos sociais e partidos de esquerda, seria um erro imperdoável a renúncia à mobilização em torno das demandas concretas das categorias e setores sociais. É preciso cobrar do governo o atendimento das reivindicações dos trabalhadores, do povo negro, das mulheres, da população LGBTQI, dos povos indígenas e da juventude. E, mais do que isso, é necessário, com o máximo de unidade, em frente única, organizar as lutas sociais.
As ocupações do MST pela reforma agrária apontam no sentido correto. Sem colocar a classe trabalhadora da cidade e do campo em movimento, não avançaremos na batalha contra a extrema direita, nem na obtenção de conquistas sociais, econômicas e ambientais. Quando a esquerda recua da luta direta, é o fascismo que avança. O MST não pode ficar isolado. As mobilizações pela esquerda precisam acontecer, crescer e se unificar.
Importa fazer um alerta. O governo Lula se depara uma forte oposição fascista. O bolsonarismo está à espreita para, quando e se o governo entrar em crise, retomar a ofensiva golpista. Devemos evitar esse cenário a todo custo. Por isso, é preocupante o Arcabouço Fiscal de Haddad, que pode comprometer a capacidade do governo de fazer os investimentos sociais necessários nos próximos anos. A esquerda precisa ser critica a esse projeto de ajuste fiscal, que manterá a lógica neoliberal de gestão do orçamento público.
No passado, a luta da classe trabalhadora garantiu direitos trabalhistas e sociais mínimos, tão duramente atacados pelas classes dominantes até hoje. Foram as mobilizações e greves de massas que enfraqueceram e derrotaram a ditadura militar, permitindo a conquista de liberdades democráticas e direitos sociais contidos na Constituição de 1988. Sem a resistência e o voto de parcela importante do povo trabalhador, Bolsonaro teria vencido e avançado em seu projeto ditatorial.
Para impor derrota estratégica ao fascismo, garantir direitos e conquistas sociais e abrir caminho às mudanças estruturais, a retomada das lutas da classe trabalhadora é o fator mais importante. É preciso atuar decididamente nesse sentido.