Notas Programáticas

NOTA PROGRAMÁTICA ECOSSOCIALISMO – RESISTÊNCIA/PSOL

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  1. DE: MARXISMO PARA: CRISE ECOLÓGICA

O marxismo não é uma ferramenta qualquer que empunhamos de maneira irrefletida diante de qualquer tarefa, desafio ou problema. No âmbito específico da crise ecológica, precisamos ter a clara consciência da profunda crítica ecológica dirigida à sociedade capitalista a partir do legado teórico marxista (em geral) e da ecologia marxista (em particular). Destacamos três pontos decisivos que podem ser demonstrados de maneira consistente: (i) o caráter destrutivo do capital, (ii) a inviabilidade ecológica do capitalismo e (iii) a centralidade da crise ecológica. Vejamos ponto a ponto.

Primeiro, o caráter destrutivo do capital. Já existe uma vasta literatura que, a partir da categoria de ruptura metabólica, vem mapeando as tendências destrutivas que se apresentam na sociedade capitalista desde sua emergência histórica e no curso de seu desenvolvimento e espraiamento pelo globo. Uma primeira tendência-chave é encontrada no tipo de organização espacial impulsionada pela lógica do capital. O capital tem fortíssima predileção por grandes aglomerações urbanas. Se estivermos no centro ou na periferia do sistema, tais aglomerações podem ser maiores ou menores, mais ou menos insalubres, mais ou menos desiguais, mais ou menos planejadas. Mas mesmo em meio a essa diversidade, permanece o fato de que o desenrolar concreto da lógica do capital produz para si uma fratura e um crescente distanciamento entre cidade e campo. E pensadores marxistas como Foster (2010) e Saito (2021), além dos próprios Marx e Engels, já evidenciaram exaustivamente que essa separação entre cidade e campo, combinada à agricultura capitalista, exaure progressivamente as condições minerais, biológicas e químicas de fertilidade do solo, por um lado, e produz um fluxo permanente e crescente de resíduos que se acumulam como poluição nas cidades, por outro.

É verdade que tais tendências vêm sendo “administradas” com o uso cada vez mais agressivo de agrotóxicos, transgênicos, técnicas de fertilização sintética, entre outras da agricultura hidrointensiva no campo e de manejo de resíduos sólidos e tratamento inadequado de esgoto sanitário efluentes industriais nas cidades. Mas a reflexão marxista também nos mostra que a cada avanço nessa capacidade de (aparentemente) recuperar a destruição em seu rastro, o capital ao mesmo tempo desloca para níveis mais elevados a sua capacidade destrutiva.

Embora o tema da ruptura metabólica receba uma atenção maior dos marxistas interessados nas questões ecológicas, há pelo menos outras duas claras tendências destrutivas que podem ser sublinhadas. O apetite voraz do capital por recursos naturais e por energia abundante, barata e estável. Usamos aqui o termo “recursos naturais” não apenas porque esse é o uso corrente no senso comum, mas porque ele indica claramente a maneira como o capital organiza uma relação específica entre humanidade e natureza: uma relação de apropriação instrumental.

A voracidade do capital por recursos naturais pode ser explicada facilmente remetendo à vigorosa dinâmica tecnológica que marca esta sociedade. Como sabemos, nesta sociedade, a produção é norteada para o lucro, não para o atendimento de necessidades humanas. Nesse sentido, toda a potência produtiva/tecnológica é dirigida especialmente à economia de tempo e trabalho. Na medida, portanto, em que as proezas tecnológicas do capital permitem produzir cada vez mais em menos tempo e com menos trabalho, o conjunto das atividades produtivas demandam mais intensamente os recursos naturais que entram na produção. E assim são dizimadas(os) florestas, rios, mares, populações animais, montanhas etc.

Evidentemente, todo esse rolo compressor de produção não é (e não pode ser) movido por pura força animal (humana ou não humana). Esse aparato monumental e sempre crescente de produção precisa ser alimentado por formas de energia abundantes, baratas e com fluxo estável, administrável e previsível. Dito isso, fica clara a dependência estrutural e profunda de todo esse sistema por energias de fonte fóssil. Dessa forma, entendemos os obstáculos às fontes de energia ditas renováveis e as dificuldades (até aqui não contornadas) que essas fontes têm demonstrado na substituição efetiva das fontes fósseis.

Com esse rápido mapeamento de tendências que fizemos, extraímos uma conclusão que o pensamento marxista nos permite enunciar com máxima segurança: a história da sociedade capitalista tem sido uma história de profunda e abrangente destruição. Podemos, além disso, dar um importante passo adiante, avançando para a demonstração de que a sociedade capitalista não pode ser outra coisa a não ser destrutiva.

Chegamos, portanto, ao segundo ponto desta seção, relativo à inviabilidade ecológica do capitalismo. Esse é um passo crucial, porque impede que sejamos seduzidos por “soluções” no interior da ordem vigente. Entre essas pretensas soluções, há aquelas que são facilmente descartáveis, que giram em torno da ideia de um capitalismo verde. Mas há também aquelas que, numa primeira aproximação, podem proporcionar pelo menos pequenos avanços, ainda que insuficientes e/ou provisórios. Para uma apropriação adequadamente crítica dessa “zona cinza”, o pensamento marxista nos municia com três compreensões básicas, que podem ser esquematicamente situadas nos âmbitos da produção, da tecnologia e do consumo.

Quanto à produção, basta recuperarmos o movimento básico do capital, que revela sua lógica mais essencial. Conforme Marx nos mostra, o movimento do capital é descrito por D-M-D’, isto é, dinheiro que se transforma em mercadoria que se transforma em dinheiro. Esse movimento perde completamente o sentido se a soma de dinheiro no final não for maior que a soma de dinheiro no início. Ou seja, a natureza mais profunda do movimento do capital exige crescimento!

Claro, o senso comum costuma acreditar que os avanços tecnológicos nos permitiriam crescer eternamente, mas demandando cada vez menos do planeta. A própria história se encarrega de mostrar o quão infundada é essa expectativa. Mas a reflexão marxista a respeito da tecnologia ainda nos permite mostrar que as modalidades de avanço tecnológico que se tornam economicamente viáveis no capitalismo são todas aceleradoras da destruição, não moderadoras.

Por fim, quanto ao consumo, não é difícil perceber que um metabolismo social que impele a humanidade à produção crescente exige (e precisa exigir) ao mesmo tempo consumo crescente. Isso não exclui a possibilidade de que indivíduos – ou até grandes grupos – consigam moderar seus padrões de consumo. A questão é que, do ponto de vista da totalidade (i.e. do ponto de vista realmente relevante quando tratamos de crise ecológica), o consumo exigido pela dinâmica do capital é sempre em escala, abrangência e velocidade crescentes.

Essas três indicações já são suficientes para sustentarmos a alegação feita há pouco. A crítica ecológica do capitalismo não pode se interromper na afirmação de que a sociedade do capital foi destrutiva até aqui. Ela precisa avançar para a afirmação de que, enquanto a lógica do capital presidir o metabolismo entre humanidade e natureza, a sociedade não tem possibilidades de não ser destrutiva. Consequentemente, propostas de capitalismo verde, a exemplo do desenvolvimento sustentável, não passam de ilusões criadas e renomeadas constantemente.

Encerrando esta seção, chegamos ao terceiro ponto, o da centralidade da crise ecológica. Uma das contribuições mais interessantes de Marx foi ter mostrado que somos animais, porém com uma capacidade que nos distingue dos demais. Percebemos o mundo não apenas como aquilo que ele é, mas também como aquilo que ele pode ser. Ou seja, percebemos possibilidades ainda não realizadas. Isso marca nossa atividade, porque ela se torna intencional de uma maneira especial, específica. Nós figuramos na mente o resultado de nossa atividade e trabalhamos sobre os objetos do mundo de modo a efetivar com sucesso esse resultado. Por isso, a potência criadora que marca a nossa espécie não é ilimitada. É verdade que ela é habilitada pelo mundo tal como nós o encontramos, mas ela é também limitada por esse mundo.

Aqui chegamos na questão central. Uma natureza degradada e hostil é uma natureza que comporta um rol de possibilidades muito mais estreito, especialmente se tivermos em mente aquelas possibilidades necessárias para a construção de uma sociedade efetivamente emancipada. No entanto, infelizmente, sequer precisamos ir tão longe. Lembremos das palavras tão conhecidas de Engels no funeral de Marx. Para que o ser humano possa fazer arte, política etc. – para que possa, em suma, perseguir realizações mais elevadas –, ele precisa antes ter garantidas as condições materiais básicas necessárias à sua própria existência.

Colocando essa intuição no quadro de crise ecológica que temos diante de nós, fica fácil perceber que todas as lutas que travamos (desde as mais restritas até aquelas com ambições mais universais) ficam completamente inviabilizadas se a crise ecológica erodir de maneira expressiva as condições materiais de vida no planeta. Sendo assim, essa não é apenas uma questão entre outras muito importantes. Essa não é apenas uma questão transversal. Trata-se de uma questão central. Central no sentido de que deve informar e estruturar todas as demais.

Temos plena consciência de que é uma afirmação muito forte. Mas não a fazemos em um registro moral, i.e. procurando impor um juízo de valor que coloque a questão ecológica acima das demais. A fazemos a partir de uma compreensão das condições objetivas das lutas e das possibilidades de vitória. Se perdermos as lutas a serem travadas neste âmbito, todas as demais estarão perdidas. Exatamente por ser um ponto sensível e sujeito à controvérsia, ele nos cobra uma exposição mais detida disso que viemos chamando de crise ecológica.

Antes, a título de fechamento, vale afirmar que não nos deve surpreender que o marxismo venha se debruçando com intensidade cada vez maior sobre essa crise. Surpreendente seria se a mais rica tradição de crítica à sociedade capitalista não elaborasse uma crítica ecológica exatamente quando a destrutibilidade dessa sociedade se revela de maneira mais flagrante e aguda.

  1. DE: CRISE ECOLÓGICA PARA: MARXISMO

A palavra crise nos remete imediatamente à ideia de um rompimento com a normalidade. Para ter uma compreensão mais rigorosa sobre isso, precisamos saber em que consiste essa normalidade com a qual estamos rompendo, qual a natureza e a intensidade da ruptura e quais os riscos que vêm em seu rastro.

Quanto à normalidade, destaquemos desde já que o planeta não tem uma natureza estática. Ao longo de sua história, o planeta alternou entre períodos glaciais e interglaciais, já atravessou alguns eventos de extinção em massa, já atravessou períodos de elevação e redução relativamente rápidos de temperatura e de mudança química da atmosfera, já viu os oceanos se elevarem e recuarem. Algumas dessas modificações foram, inclusive, vividas pelos nossos antepassados mais distantes, que remontam a aproximadamente 300 mil anos, se levarmos em consideração o ser humano tal como o conhecemos hoje.

Apesar disso, até onde sabemos, aquilo que chamamos de civilização (compreendendo diversas formações sociais) tem sua aurora na saída no último período glacial, há pouco menos de 12 mil anos. Chamamos a época geológica que se estende desde então de Holoceno.[1] Trata-se de uma época de relativa estabilidade climática que forneceu as condições materiais/ecológicas/climáticas para que os seres humanos se organizassem em sociedades com um nível de complexidade cada vez mais elevado, capazes de acomodar e satisfazer um rol de necessidades cada vez maior em escala e variedade. A produção de alimentos em grande escala está materialmente vinculada ao Holoceno. A escala em que fazemos ciência e produzimos conhecimento está materialmente alicerçada no Holoceno. A nossa vida em assentamentos permanentes, sejam eles rurais ou urbanos, está materialmente ancorada no Holoceno.

Não é nem um pouco trivial, portanto, que o impacto desestabilizador que a humanidade (sob a égide do capital) vem impondo ao planeta esteja nos catapultando para fora do Holoceno. É preciso enfatizar: não se trata de uma previsão a respeito de algo que pode acontecer. É algo que vem acontecendo. Isso nos leva à discussão da natureza e intensidade da ruptura.

Há pelo menos três décadas, vem se avolumando de maneira muito acelerada um esforço global de investigação e mensuração das transformações provocadas nos sistemas e ciclos naturais do planeta. Como fruto desse esforço, nossa compreensão a respeito de processos naturais cruciais vem se aprofundando e se consolidando sensivelmente. Combinado a isso, uma profusão alucinante de evidências (obtidas tanto a partir de estimativas paleoclimáticas quanto a partir de mensurações diretas) deixa um espaço cada vez menor até para as versões mais brandas e dissimuladas de negacionismo. Mencionemos apenas algumas dessas evidências, para que os contornos da crise fiquem mais visíveis.

Segundo artigo publicado em 2020 no periódico científico Geology, a última vez que a atmosfera teve tamanha concentração de gases de efeito estufa foi, no mínimo, há mais de 7 milhões de anos. Para termos uma boa referência da magnitude desse dado, lembremos que as estimativas mais seguras que temos hoje situam o surgimento dos nossos antepassados mais longínquos do gênero homo 2,5 milhões de anos atrás.[2]

O relatório especial do IPCC sobre oceanos e a criosfera, de 2019, nos informa que a temperatura média do planeta há muito já excedeu a faixa de variação da temperatura observada ao longo do Holoceno. Considerando esse mesmo período, também nos informa que os oceanos nunca estiveram tão quentes, ácidos e desertificados.

Em relatório sobre biodiversidade publicado pelo IPBES, outro braço da ONU, também em 2019, descobrimos que a taxa atual de extinção de espécies é pelo menos dezenas de vezes superior à taxa natural de fundo. Considerando as piores estimativas, é possível que estejamos testemunhando a extinção de centenas de espécies diariamente.

Podemos ainda mencionar outro relatório de 2019 do IPCC, sobre uso da terra, que nos mostra o quão gravemente tensionada e ameaçada está nossa capacidade de produzir alimentos em grande escala. A elevação acima da média das temperaturas no interior dos continentes, a ocorrência cada vez mais frequente de ondas de calor mais longas, intensas e estacionárias e outros eventos extremos, como chuvas torrenciais e secas, colocam a segurança hídrica e alimentar da humanidade como um todo sob risco expressivo.

É claro que esse risco incide de maneira muito diferenciada entre centro e periferia, entre ricos e pobres. Mas não estamos aqui falando do risco de escassez relativa de alimentos, e sim da possibilidade de episódios de escassez absoluta. Ou mesmo de uma escassez absoluta crônica.

Diante de processos como esses em curso e dos riscos que se avolumam em velocidade febril, o IPCC tem sido uma das principais referências a recomendar trajetórias para contenção de todo esse impacto destrutivo. Em relatório especial de 2018, sobre a necessidade de não excedermos 1,5oC de aquecimento, a trajetória de mitigação recomendada exige uma redução de 45% nas emissões globais de gases de efeito estufa entre 2010 e 2030 e uma redução de 100% das emissões globais líquidas até 2050. No relatório recém lançado, em 2021, o mesmo IPCC estima que, mesmo seguindo essa trajetória (que flerta com a ficção científica), excederemos a marca de 1,5oC de aquecimento no segundo terço do século. Admitindo como base o nível de emissões globais de 2019, o atendimento das metas implicadas nessa trajetória exigiria uma redução nas emissões de ao menos 7%, todos os anos, por 30 anos consecutivos. Colocando esse valor em perspectiva, lembremos que em 2020 (ano em que a pandemia de COVID-19 sacudiu o mundo) a redução das emissões não chegou a 8%. Somando-se a isso, no relatório de 2018 somos informados que o celebrado Acordo de Paris – caso integralmente cumprido, por todas as partes envolvidas – seria suficiente para cumprir apenas metade dessas metas.

A propósito, o caráter bastante recuado do Acordo de Paris – que, apesar disso, é incensado pelos agentes do capital como grande vitória da humanidade – é sintoma de algo que precisamos reconhecer com muita clareza e enunciar sem meias palavras: o Estado burguês, independentemente de quais grupos à esquerda ou à direita ocupem as posições de poder, é estruturalmente incapaz de conter a vocação destrutiva do capital. Sua razão de ser é a administração da sociabilidade correspondente ao capital e, por isso mesmo, ele não pode voltar-se contra ela; nem mesmo quando a humanidade se encontra por ela ameaçada.

De tudo que foi falado aqui, depreende-se três conclusões principais. Primeiro, que a crise ecológica já está em curso e representa um risco existencial não apenas para incontáveis espécies, mas também para a espécie humana. Segundo, que a janela de oportunidade para evitarmos alguns dos riscos mais graves é, na melhor das hipóteses, muito estreita e se fechando rapidamente. Terceiro, que alguns riscos importantes já são inevitáveis e irão sacudir violentamente os alicerces das sociedades humanas. Nossa tarefa é extrair dessas conclusões uma linha política consequente, que enxergue o todo e como as partes se articulam dentro dele e seja compatível com o nível de urgência que a realidade cobra de nós. O campo conservador, ao contrário disso, já vem se preparando diligentemente para essa nova realidade. (US Intelligence Community 2013) (US Intelligence Community 2019).

  1. INTERNACIONALISMO

O internacionalismo ocupa posição fundamental na estratégia de organização e luta da classe trabalhadora contra o capital global elaborada e praticada por Marx e Engels. Revela por um lado a expressão máxima de uma pretensão revolucionária humanista e por outro a totalidade capitalista. Sendo assim, rejeita a noção de princípio moral e assume força política de condição objetiva desde o Manifesto Comunista (Marx & Engels, 2010) em que é apresentada a unificação econômica do mundo pelo sistema capitalista.

O entendimento equivocado deste conceito culminou em erros históricos dos socialistas. O estalinismo, através de uma leitura evolucionista e economicista, tratou de, por anos, fazer prevalecer certo pensamento que desconectava as nações chamadas de “atrasadas” do seu contexto mundial, analisando níveis nacionais de desenvolvimento econômico e político para lhes determinar qual o caráter e possibilidade de suas revoluções. Trotsky, por sua vez, sempre buscou compreender as possibilidades revolucionárias de qualquer país dentro de um processo internacional da luta de classes. Com suas particularidades, os países que hoje localizamos como periféricos na dinâmica capitalista global, tal como os países centrais, pertencem a uma mesma totalidade histórico-social, o mundo capitalista, passível de ser transformado pela ação do proletariado internacional. Como toda totalidade dialética, o capitalismo mundial não é a soma de suas partes (as economias nacionais), assim como a luta de classes internacional não é a soma das lutas nacionais. Uma situação local ou nacional não pode ser compreendida teoricamente e transformada praticamente, se for ignorado como ela se articula com o conjunto mundial economicamente, socialmente e politicamente.

Tal compreensão não anula as grandes diferenças existentes entre os países centrais do sistema capitalista e os periféricos, mas acrescenta a essa desigualdade a subordinação às relações de dominação capitalista. Desta forma, países como o Brasil experimentam uma dinâmica de dependência operada através da extração de recursos responsável por parte majoritária da economia nacional, a qual atrai o imperialismo em busca de lucro através de produtos primários baratos. Além de ser fundamento da contribuição desses países para a crise ecológica, essa dependência faz o desenvolvimento real ser inalcançável.

Todos os debates acerca da chamada dialética da natureza à parte, é preciso assumir que alguma forma análoga à totalidade se aplica ao Planeta Terra. Os eventos que alteram o equilíbrio ecológico em uma parte do globo são sentidos pelos demais, mesmo que guardada suas devidas proporções, temporalidade etc. Logo, a lógica da crise ecológica que vivemos não pode ser outra senão global. Todos os países contribuem com a crise e todos são afetados por ela, ainda que de maneira desigual. Logo, assim como a luta pela derrocada deste sistema de destruição, a luta contra a crise climática só pode ser internacional e tendo como sujeito o proletariado global uma vez estarem a exploração de classe e a exploração da natureza intimamente interligadas.

A ecologia, portanto, é um ponto de convergência essencial da classe trabalhadora ao redor do mundo já que se trata das condições materiais de sobrevivência humana. Essas conexões não devem gerar apenas solidariedade, e sim união das lutas uma vez que a destruição do Planeta Terra afeta desigualmente os indivíduos que nela habitam, mas não aleatoriamente. Somos prejudicados e sentimos os sinais da devastação de forma determinada pelo próprio sistema que nos trouxe até aqui, encarando um cenário de terra arrasada caso não consigamos constituir um processo de mudança radical e sistêmica. É nesse contexto que nasce e se faz cada vez mais relevante o Ecossocialismo.

Assumir o internacionalismo como premissa na luta é entender que o sistema que nos organiza enquanto sociedade atribui diferenças nas relações globalmente, mas que mesmo na diferença estão todas determinadas por esse sistema totalizante. Ser internacionalista não significa negar a heterogeneidade da forma como o sistema nos organiza territorialmente, e sim afirmar a necessidade inequívoca de articulação, não obstante as diferenças, para compreender o sistema que dá suporte e elo a todas elas: o capitalismo. Sendo assim, o Ecossocialismo é essencialmente um projeto internacionalista pois não há possibilidade de salvarmos apenas parte da Terra. O que está em jogo é um sistema de relações intensamente interligadas. Ou agimos pelo todo ou tudo perderemos.

Considerando tal situação, dentro do contexto da luta de classes na fase imperialista do capitalismo, é preciso entender que as desigualdades são acentuadas a níveis ainda mais elevados, sejam elas sociais, econômicas e sobretudo climáticas, afetando diretamente os povos da periferia do sistema capitalista, que historicamente estão à margem da sociedade e são aqueles que pagam o preço mais alto pela crise. É a classe trabalhadora, em sua ampla diversidade, o sujeito social que sofre com as consequências mais negativas do cataclisma. São as mulheres, negras e negros, LGBTQIA+, PcDs, comunidades e povos originários e demais setores oprimidos da sociedade, os mais ameaçados com o colapso ecológico e climático. Por isso também, é o sujeito social que, se elevada sua consciência acerca dos riscos, causas e efeitos do estado de emergência, pode fazer avançar a luta pela transformação da realidade atual e pela emancipação humana.

Sendo este o cenário, o papel dos ecossocialistas deve ser o de construir uma saída para a crise que considere as experiências concretas de um outro modo de vivência ecológica e social encontradas na periferia do sistema, emergindo a partir dos movimentos populares e movimentos sociais, que já lutam pela terra e por seus territórios e estão na vanguarda da luta de classes, tendo seu sangue derramado e misturado com a própria terra pela qual lutam diariamente, nos mais diversos processos de resistência aos avanços do modelo neoextrativista, dos grandes empreendimentos, do agronegócio, da grilagem, do garimpo ilegal, das barragens, do setor fóssil, da especulação imobiliária, dentre outros. São esses os movimentos e setores que devem ser fortalecidos como atores políticos essenciais no processo de construção e afirmação de justiça socioambiental que queremos para o mundo, que poderão nos ajudar não apenas na elaboração da crítica e nas ações nos territórios, nas frentes de lutas, mas principalmente na difusão do pensamento ecossocialista perante às massas proletárias e a construção de um novo bloco social capaz de romper com as amarras do sistema capitalista e iniciar a etapa de um novo paradigma social que compreenda que só teremos uma sociedade ambientalmente sustentável e ecologicamente equilibrada quando tivermos também uma sociedade socialmente justa.

Precisamos ter no centro de nossa estratégia histórica, portanto, a análise de todos os elementos que intensificam o acirramento da crise ecológica capitalista, como a pobreza, a exploração incontrolável da natureza e as pressões exercidas pelo grande capital, que expulsam povos de seus territórios gerando migrantes climáticos, que são obrigados a abandonar seus lares por não serem mais habitáveis, sendo deslocados para dar lugar à construção de grandes projetos, barragens, mineração, obras portuárias, resorts, ou ficarem como atingidos remanescentes em condições crescentes de precarização.

É nosso dever firmar como compromisso político-estratégico, a luta pela Justiça Climática, como contraposição às falsas e insuficientes promessas vazias de redução da emissão de gases de efeito estufa que aprofundam a crise e geram superaquecimento no planeta, mas também, como forma de combater as desigualdades socioambientais geradas por essa crise do capital, que atravessam as causas e efeitos climáticos. Não podemos permitir que os países dependentes e mais pobres paguem a conta dessas emissões causadas pelos países ricos do globo, é preciso considerar as desigualdades de responsabilidade pela crise.

Se falamos da necessidade de lutar pelo eixo da Justiça Climática no contexto da luta de classes a partir do olhar dos “de baixo”, estamos falando também de solidariedade de classe contínua, como a defesa intransigente das populações das cidades, das periferias urbanas, do campo, da floresta e das águas. Em defesa dos territórios e dos biomas unificar as lutas das comunidades e povos tradicionais, dos povos indígenas, quilombolas, seringueiros, camponeses, trabalhadores rurais assalariados, caiçaras, pescadores artesanais, ribeirinhos, marisqueiras, , atingidos por barragens e todos aqueles que compõem a diversa cartografia social do Brasil, mas que sofrem cada vez mais diretamente com os impactos dessa destruição. São esses os povos que já praticam há séculos, nos marcos da resistência concreta à dinâmica expansionista do capital e na luta diária contra multinacionais petrolíferas, agronegócio, bancos e governos burgueses, algumas das premissas do pensamento ecossocialista que almejamos implementar em uma nova sociedade, como projetos de transição justa em harmonia com a natureza e de soberania alimentar.

São povos que demandam justiça climática pois querem um planeta habitável para construir alicerces de uma sociedade verdadeiramente emancipada.

  1. REALIDADE BRASILEIRA DIANTE DA CRISE ECOLÓGICA

Governo Bolsonaro e o agravamento da crise


Diante da centralidade da crise ecológica e seus efeitos devastadores para os povos do planeta, em especial aqueles e aquelas localizados na periferia do sistema capitalista, precisamos dar vazão às especificidades de cada região. No Brasil, estamos enfrentando uma etapa reacionária aberta com a ascensão de uma extrema-direita violenta e organizada, com ampla capacidade de influência social e eleitoral, que instalou um período de ofensiva sobre a natureza e os bens comuns , ancorado no negacionismo climático.

No ano passado, o vídeo da reunião ministerial ocorrida em 22 de abril, que expôs qual era a verdadeira preocupação do ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles e do governo Bolsonaro em plena pandemia, viralizou junto com a expressão “Passar a Boiada”. Esta máxima resumiu qual o projeto político do governo bolsonarista para o meio ambiente. Apesar de revoltante, infelizmente, não surpreendeu aqueles que desde o início da ascensão da extrema direita entenderam e denunciaram o perigo do governo Bolsonaro. Este, por sua vez, vem cumprindo uma agenda ecocida e etnocida como prometido desde as campanhas eleitorais, facilitando e incentivando a ação predatória de garimpeiros, grileiros, madeireiros, caçadores e integrantes do comércio ilegal e internacional de animais, firmando alianças com latifundiários e governando em prol de grandes empreendimentos, do agronegócio e da mineração, ameaçando a existência dos povos e comunidades tradicionais, além de dialogar e incentivar o negacionismo frente às mudanças climáticas.

Desde 2019, Bolsonaro e seu governo vêm colocando em prática o desmonte de importantes órgãos e das legislações ambientais[3], da regulação de agrotóxicos e trabalhistas, visando enfraquecer a proteção e fiscalização do meio ambiente e da saúde, facilitando, como consequência, a todo custo a exploração da natureza pelo setor privado. Por exemplo, no ano de 2021, o Ministério do Meio Ambiente sofreu o maior corte orçamentário das duas últimas décadas, afetando drasticamente a atuação de fiscalização do IBAMA e do ICMBio. Desde abril de 2020, até deixar o cargo em junho de 2021, o Ministro Ricardo Salles editou 721 medidas contra a preservação ambiental, sendo 76 reformas institucionais; 36 medidas de desestatização; 36 revisões de regras; 34 de flexibilização; 22 de desregulação e 20 revogações. A taxa de desmatamento no Brasil como um todo aumentou. A Mata Atlântica, por exemplo, um dos biomas mais ameaçados do país[4] e que historicamente é explorada e desmatada, sofreu uma perda de 13.053 hectares no primeiro ano de governo Bolsonaro, 14% maior em relação ao período de 2017-2018, sendo que para o Estado de São Paulo esse número chegou a 400%. Com esses ataques e ecocídios deliberados, a tendência é que esses números aumentem, não só na Mata Atlântica, mas em todos os outros biomas.

Se, por um lado, é verdade que os governos anteriores também – inclusive os governos de Frente Popular do PT de Lula e Dilma – governaram para o agronegócio, liberou o uso dos transgênicos, favorecendo o que chamamos de Bancada Ruralista, estiveram muito distantes de realizar políticas eficazes de reforma agrária e não atuaram concretamente em defesa das florestas e das populações do campo, da floresta e das águas[5], por outro, é preciso diferenciá-los do governo Bolsonarista. A devastação ambiental aumentou em níveis recordes, além da forte disputa ideológica feita pelo governo com apoio da bancada da bala, boi, bíblia e banco do congresso e de setores hegemônicos do judiciário colocando a existência dos ecossistemas como impasses e incompatíveis com desenvolvimento econômico, inclusive com uma tentativa desesperada de diminuir a quantidade de terras indígenas, quilombolas e Unidades de Conservação, exaltando o agronegócio, mineração e o que há de pior no campo, reforçando o seu ódio aos povos tradicionais, sem terras e movimentos ditos ambientalistas. Caracterizamos que vivemos uma crise ecológica e climática global sem precedentes com tendências de cenários catastróficos, e entender o caráter ecocida e genocida e como as suas políticas têm papel importante no agravamento dessa crise reflete na necessidade imediata de derrubar o governo Bolsonaro.

Não é possível listar – quem dirá analisar com detalhes – todos os retrocessos e destruição ambiental nos últimos três anos, mas podemos destacar alguns deles, devido a sua gravidade e também por serem elementos que causaram um certo desgaste e também agravado o isolamento internacional do governo[6]:

1) Desmatamento da Floresta Amazônica

Segundo dados do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia), o desmatamento da Amazônia Legal registrou, no período de agosto de 2020 a junho de 2021, a maior devastação da última década. Grande parte desse desmatamento ocorreu em territórios privados (61%) e apenas 2% ocorreram em território indígena, evidenciando a relação que os povos tradicionais têm na preservação e manutenção da floresta amazônica. Cerca de 94% da taxa de desmatamento é ilegal, o que escancara que a falta de fiscalização ambiental é um projeto e intencional, pois em meio a números alarmantes de desmatamento ilegal o número de multas pagas por crimes ambientais reduziu em 93% na região.

Os focos de incêndio na Amazônia Legal também bateram recordes e de acordo com estudos do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), o mês de junho de 2021 registrou o maior número de focos de calor na região dos últimos 14 anos. Reflexos da falta de fiscalização e do desmonte do IBAMA, órgão federal responsável por monitorar e combater os fogos florestais.

A mercantilização da vida e financeirização da terra e dos bens da natureza ocorrem por meio da atuação devastadora do agro-mínero-hidro-bio-carbono negócio e suas conexões internacionais (Malheiro, 2021) submetendo os povos das florestas, os povoados e pequenas cidades da região a extensos e intensos processos de subalternização, pobreza, violência e impactos à saúde coletiva.

Para além de outras características, como a enorme biodiversidade de flora e fauna, a floresta amazônica é conhecida por ser um grande sumidouro de CO2, atuando, portanto, na regulação climática. Pela primeira vez, a Amazônia emite mais gás carbônico que sequestra, consequência direta do desmatamento desenfreado e das mudanças climáticas que estão resultando naquilo que denominaram de “ponto de não retorno”, isto é, um cenário irreversível. O desmatamento também se reflete na atual crise hídrica, devido à sua influência direta na formação de chuvas na região Sudeste, fenômeno conhecido como “rios voadores”.

Diante desse cenário dramático a Amazônia que sempre foi considerada pelo capital como periferia, o fim do mundo, para as lutas ecossocialistas deve ser reconhecido como o centro do mundo e de r-existências.

2) Destruição do Pantanal e do Cerrado

Os focos de incêndio que se alastraram pelo Pantanal, desde o ano passado, receberam destaque pela mídia e foram amplamente denunciados devido a sua gravidade, inclusive com imagens fortes do estrago causado pelo fogo na fauna e flora. Só no ano de 2020, dois meses após o início do fogo, os estragos já eram considerados os maiores da história e até aquele momento cerca de 15% do Pantanal estava em cinzas, equivalente a 2,2 milhões de hectares resultando pela sua extensão em graves impactos à saúde pública decorrentes da poluição atmosférica e de diversas doenças. A origem desses focos foi sobretudo da ação humana e explosões em cabos de energia elétrica – somados à seca, calor intenso e fortes ventos enfrentados pela região que pioraram a situação – entretanto a negligência do governo Bolsonaro ficou evidente e a responsabilidade pelo estrago é também deste.

O Cerrado, considerado a caixa d’água do Brasil, sofre um processo acelerado de desmatamento, principalmente derivado do avanço das fronteiras do agronegócio cujo modelo de monocultura hidrointensivo químico-dependente e exportador de commodities tem trazido graves impactos socioambientais, processos de desterritorialização de povos e comunidades tradicionais e de perda da biodiversidade. O avanço das monoculturas, a exemplo dos parques industriais de eucalipto (Galeano, 2011), tem gerado o estresse hídrico em grandes áreas. As veredas, eternizadas por Guimarães Rosas, estão sofrendo severas alterações hidrológicas e consequentemente alteração das condições e dos modos de vida dos veredeiros e de diversas comunidades.

Na fronteira entre a vida e o capital, os planos de investidores, incluindo o capital internacional, do projeto Matopiba, com uma extensão prevista de 73 milhões de hectares que compreendem áreas pertencentes ao Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, continuam sendo uma ameaça neodesenvolvimentista para o bioma Cerrado devido ao interesse do agronegócio em produzir monocultivos hidrointensivos em larga escala. Processos que gerarão conflitos socioambientais a exemplo do caso de resistência emblemático do município de Correntina, na Bahia. Uma das saídas do capital da crise de 2008 foi a expansão territorial de seu domínio, por meio de novas áreas em um processo violento de acumulação e expropriação de riquezas naturais (terras e águas).

3) Insegurança Hídrica

A insegurança hídrica tem diversos impactos socioambientais e à saúde. Dentre eles, a insegurança alimentar. As águas continentais e litorâneas estão cada vez mais maltratadas, sendo poluídas, contaminadas, eutrofizadas, capturadas em barragens, assoreadas, privatizadas, sepultadas em galerias subterrâneas, turbulentas, exportadas na forma de água virtual por meio das commodities agrícolas e até mesmo soterradas (Mariana e Brumadinho). Associados às mudanças climáticas, esses fatores resultam no aumento da recorrência e intensidade das crises hídricas. A insegurança hídrica no Brasil alcança os ecossistemas e tem se ampliado na escala de todos os biomas, como foi dito anteriormente para a Amazônia e o Cerrado.

A área do semiárido brasileiro se expande com o processo de desertificação, redefinindo os territórios sob efeito da ampliação dos períodos de estiagens. Mesmo diante dessa realidade, o governo Bolsonaro interrompeu as políticas públicas de construção das cisternas de placas e de outras tecnologias sociais que, a partir dos esforços das diversas entidades que compõem a rede Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), criada em 1999, a partir de evento paralelo à 3a Conferência das Partes da Convenção de Combate à Desertificação e à Seca (COP3) da ONU, vinham tendo importantes resultados na ampliação do direito humano à água. A partir dessa mobilização social, foi se constituindo a Convivência com o Semiárido como contraposição e no enfrentamento à “indústria da seca” e seus interesses oligárquicos econômicos e políticos, que concentram poder por meio de grandes açudes e do comércio de água pelos carros-pipa. Os movimentos sociais ensinaram como a unidade na luta pode alcançar transformações sociais na escala do bioma Caatinga.

Verifica-se que, ao longo dos anos, a insegurança hídrica se expande pelo país e, no caso da região Sudeste, a degradação das bacias hidrográficas dos principais mananciais utilizados por grandes cidades tem produzido estresse hídrico, seja pelos aspectos quantitativos, com a redução da vazão dos rios, seja pelo aspecto qualitativo, derivado do nível de poluição que tem, cada vez mais, dificultado a tratabilidade dessas águas nas estações de tratamento das concessionárias.

A privatização do saneamento básico se intensificou a partir do governo golpista de Temer e tem sido efetivada no governo Bolsonaro com a revisão do marco regulatório do saneamento básico, o que resultará no aumento de tarifas e de conflitos pelas águas. Enquanto necessidade vital, a água deve ser considerada como direito humano e não como mercadoria. Essas privatizações são a ponta do iceberg de um processo mais intenso de mercantilização das águas e da vida.

4) Desastres de Mariana e Brumadinho

A captura do estado pelas mega-mineradoras é uma história de impactos socioambientais e de tragédias-crimes. Mariana, em Minas Gerais, sofreu em 5 de novembro de 2015 a tragédia-crime, à época, a maior em todo mundo, referente ao rompimento de barragens de rejeitos da exploração de minério de ferro, que eram de responsabilidade da Samarco, controlada pela Vale e pela BHP Billiton, onde foram registradas 19 mortes. O lema adotado pela diretoria da Vale, dois anos depois, era “Mariana nunca mais”. Três anos e dois meses após Mariana, veio a lama vermelha de Brumadinho.

Em 25 de janeiro de 2019, o país fica paralisado diante da nova tragédia-crime, a de Brumadinho, também em Minas Gerais, pelo rompimento da barragem de mineração da Vale, resultando em 272 vidas perdidas, sendo o maior desastre humanitário e de saúde do trabalhador da história do Brasil. As ações da Vale se recuperaram após as tragédias de Mariana e Brumadinho e a companhia cresceu apesar dos desastres. Antes de Brumadinho, a multinacional oscilava entre a segunda e a terceira posições no ranking das maiores empresas do país. Em 2021, já estava na lista das companhias com o maior valor de mercado.

Segundo o Relatório de Segurança de Barragens de 2020, o Brasil possui 21.953 barragens cadastradas e foram localizadas 122 barragens críticas em 23 estados. O livro “Arrastados” (2022), da jornalista Daniela Arbex, sobre Brumadinho, é finalizado com a pergunta: “Brumadinho, nunca mais?” Mas se novas barragens estão sendo programadas para serem executadas no Brasil, novos atingidos virão…

5) Enchentes no Sul da Bahia

O Natal de 2021 foi marcado por dor e sofrimento no Sul da Bahia. Foram pelo menos 850 mil pessoas afetadas pelas enchentes que castigaram a região, sendo 26 mortos, 434 feridos e cerca de 91 mil pessoas desabrigadas ou desalojadas. As fortes chuvas deixaram, ao todo, mais de 160 municípios em situação de emergência no Estado e devido a destruição em larga escala, foi interrompido o fornecimento de água e luz. Eventos como esse escancaram o racismo ambiental e a desigualdade social e de acesso à melhores condições de habitação, além de chamar mais atenção ainda para a crise climática global, afinal, esses fenômenos extremos, como o alto volume de chuvas, se relaciona diretamente com o desequilíbrio climático e ecológico decorrente da crise no planeta.

Enquanto o povo baiano sentiu na pele a dor de perder tudo o que tinha e de passar um Natal desabrigado ou desalojado, com suas comunidades ilhadas, Bolsonaro negou autorização para a chegada de ajuda humanitária da Argentina, assim como fez um ano antes quando negou ajuda da Venezuela no caos que foi instalado em Manaus com a falta de oxigênio diante do agravamento da crise sanitária de COVID-19. Além disso, o presidente genocida e ecocida, destinou pouca verba e com foco apenas na reconstrução de estradas, deixando milhares de famílias à própria sorte.

6) Tragédia de Petrópolis

As chuvas torrenciais ocorridas em fevereiro de 2022 em Petrópolis no Rio de Janeiro gerou o maior desastre da cidade imperial, com deslizamentos de solos e enchentes que destruiu grandes áreas da cidade. Até 26 de fevereiro de 2022 foram registradas 223 mortes e ao menos 20 pessoas estão desaparecidas. A intensidade de chuva de 259,8 milímetros de chuva em 24 horas, o maior volume em 90 anos. Sendo comprovado ou não que essa tragédia é decorrente das mudanças climáticas, o fato é que nem o Rio de Janeiro e nem o Brasil estão minimamente preparados para enfrentar os eventos climáticos e hidrológicos extremos que aumentarão de recorrência e de intensidade resultantes das mudanças climáticas.

7) Etnocídio da população indígena

O governo bolsonarista ameaça fortemente a existência dos povos originários de duas formas: através da política genocida frente à pandemia de COVID-19 e pela política de desregulamentação ambiental ao facilitar e incentivar o desmatamento, mineração e diminuição dos territórios indígenas.

Desde o início da pandemia, os povos tradicionais são grupos de risco e colocados em situações de extrema vulnerabilidade, desde o início da colonização onde foram dizimados pela violência da colonização europeia e ao contraírem vírus e bactérias trazidos pelos invasores brancos, em que doenças contagiosas são capazes de exterminar etnias inteiras. A política de Bolsonaro frente a pandemia que caracterizamos como genocida refletiu em grandes estragos para os povos indígenas: anciões e anciãs que possuíam conhecimento histórico da cultura perderam suas vidas. Uma verdadeira perda social e cultural. Além da ausência de medidas de proteção, incentivaram o ataque e a invasão de grileiros, madeireiros e garimpeiros em áreas indígenas, que levaram o vírus para dentro das aldeias. Até o final de 2021, foram vacinados com as duas doses apenas 44% de todas as comunidades. Para se ter uma ideia, em setembro de 2020, o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) divulgou que as invasões em terras indígenas, explorações ilegais de recursos naturais e danos ao patrimônio aumentaram em 135% desde que Bolsonaro assumiu o governo, bem como os casos de violência e assassinatos. O relatório do CIMI também ressaltou o aumento nos casos de suicídio.

Outra ameaça que ganhou destaque no segundo semestre de 2021 foi a luta contra o Marco Temporal (PL 490/2007). Ao lado dos grileiros, madeireiros, mineradores e agronegócio, o governo fez enorme pressão para aprovar o Projeto de Lei que visou alterar a Constituição de 1988 que reconhece “aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”, entretanto não determinou nenhuma data, ou demarcação temporal nesse sentido, o que deu margem para a polêmica e ação daqueles que têm interesse em lucrar e explorar territórios indígenas. Assim a ideia do projeto foi estabelecer um marco temporal para que sejam demarcadas somente as áreas ocupadas pelos índios até o dia 5 de outubro de 1988, ou terras que tenham sido perdidas por violência, clandestinidade ou precariedade além de proibir que terras demarcadas previamente sejam ampliadas, no intuito de impossibilitar a demarcação de novos territórios. Houve resistência, com manifestações e acampamentos em Brasília, fazendo a maior mobilização indígena nas últimas décadas.

8) Doenças emergentes, pandemia e sindemia

Doenças possuem, simultaneamente, causas biológicas e políticas. Existem aquelas decorrentes das condições de pobreza e de exploração pela qual são submetidas a classe trabalhadora, bem como as doenças do desenvolvimento que também incidem com maior ocorrência e severidade sobre as populações vulnerabilizadas. A justiça ambiental e o campo da saúde e ambiente evidenciam diversos estudos sobre os impactos socioambientais produzidos por grandes empreendimentos, pela violência, pela exploração do trabalho, opressão, alienação, pelos ambientes insalubres, ou seja, pela sobredeterminação da produção capitalista, produtora de doenças.

Diversas doenças emergentes (novas) e mesmo reemergentes (aquelas que já tinham sido controladas, mas retornam com maior incidência) tem relação com os desequilíbrios ecológicos, nesse sentido, o seu enfrentamento passa em grande medida pela compreensão das suas determinações socioambientais.

A partir de 1940, houve um aumento de doenças infecciosas no mundo, sendo 60% causadas por doenças zoonóticas, ou seja, de origem animal. O avanço de surtos de doenças infecciosas como as gripes aviária e suína, o ebola e a própria pandemia de COVID-19 estão associados diretamente às mudanças do uso da terra e a agropecuária intensiva industrial (Wallace, 2020). O avanço da destruição das florestas e a redução da biodiversidade aumenta a possibilidade de vírus e demais patógenos selvagens realizarem o salto zoonótico para animais de criação e chegando aos humanos. O Brasil possui uma megabiodiversidade, mas sua acelerada redução pode acionar novos processos epidêmicos. As florestas são nossas barreiras ecológicas e sanitárias protetoras.

O número elevado de mortes e de sequelas durante a COVID-19 indica um processo sindêmico no país, caracterizado por um conjunto de determinações socioambientais de saúde, incluindo as dimensões políticas, ideológicas, econômicas, ambientais e culturais que amplificaram o sofrimento e o número de mortes evitáveis.

O negacionismo científico do bolsonarismo agravou de forma substantiva todo o processo de medidas de prevenção contra a transmissão, de vigilância em saúde, de assistência e de comunicação em saúde necessários, fragilizando o Sistema Único de Saúde. Mesmo assim, o negacionismo antivacina não logrou uma vez que o país está finalmente alcançando níveis elevados de cobertura vacinal, decorrentes da tradição de vacinação no Brasil e pela própria eficácia das vacinas utilizadas no Brasil.

Na sindemia as desigualdades socioambientais ampliaram a transmissibilidade e os efeitos da COVID-19, associada à outras doenças que se interagem em um contexto socioambiental, que inclui pobreza, condições precárias de habitabilidade, dificuldades de acesso à água potável e de material de higiene, transporte insuficiente, maior suscetibilidade de minorias étnicas, poluição atmosférica, dentre outros.

Os impérios alimentares capitalistas produzem sindemias globais, com a sinergia de epidemias de doenças contagiosas, de fome, de obesidade, de diabetes, das alterações das mudanças climáticas e de um conjunto de problemas de saúde que não são resolvidos em suas causas pelo modelo hospitalocêntrico, mas por meio de iniciativas de saúde e ambiente, promotoras de territórios saudáveis, promotores da vida.

Questão agrária

De norte a sul do país o agronegócio pressiona e ameaça a existência dos nossos biomas e ecossistemas, com o avanço incontrolável de suas fronteiras agrícolas, trazendo consequências drásticas, porém com características particulares de uma região para a outra, no que diz respeito diretamente tanto à dinâmica e ecologia propriamente dita desses ecossistemas – como, por exemplo, na diminuição da biodiversidade e alterações climáticas – quanto às comunidades e populações locais que dependem diretamente delas: indígenas, ribeirinhos, caiçaras, quilombolas e camponeses. O aumento do desflorestamento e da degradação ambiental traz inúmeras consequências negativas e nós precisamos compreender qual a gravidade disso no aprofundamento da crise climática e ecológica, não só a nível nacional, mas inclusive internacionalmente. Para se ter uma ideia, recentemente o Brasil foi classificado como o 4º emissor de CO2 do mundo desde 1850, ficando atrás dos EUA, China e Rússia (os maiores emissores via queima de combustíveis fósseis). E qual a causa? Uso do solo! Em outras palavras, uso agropecuário e desmatamento. Certamente não podemos comparar com as bilhões de toneladas emitidas pelos EUA, China e Rússia, mas podemos analisar com base em números o cenário alarmante de perda de cobertura florestal e o impacto que isso tem na crise ecológica e climática global.

A análise e a caracterização da estrutura fundiária e das relações de produção no campo, portanto a estrutura socioeconômica e política, são aspectos centrais que englobam aquilo que denominamos por questão agrária. Identificar ou explicar de forma coerente quais as problemáticas e contradições no campo hoje passa necessariamente pela compreensão do que foi e como ainda se dá o desenvolvimento da agricultura sob o modo de produção capitalista no Brasil. Ao contrário da ideia falsa que a mídia e o agronegócio propagam, os problemas sociais e a situação precária de uma grande parcela da população no campo não se resolvem com a expansão do desenvolvimento e o avanço tecnológico da agropecuária no campo. Na verdade, o desenvolvimento e o crescimento do setor agropecuário foram favorecidos pela alta disponibilidade de terra e de força de trabalho de baixo custo relativo, ou seja, deram-se às custas da exploração da natureza e de parte da população rural.

Um dos traços essenciais da questão agrária brasileira é a alta concentração de terra no país. As modificações que ocorreram no Brasil desde a colonização não superaram por completo a roupagem de fundo daquela estrutura socioeconômica inicial. Muito embora a produção agropecuarista esteja desde então em constante modernização no que diz respeito a maquinários e técnicas agrícolas para aumentar a produtividade e a rentabilidade, expandindo as fronteiras agrícolas e “dinamizando” as relações sociais no campo, é fato que essas mudanças ao longo do tempo além de não alterarem a estrutura baseada no latifúndio, na alta concentração de terra e na produção de commodites voltada para exportação, ao contrário, aprofundaram ainda mais as contradições e problemas ligados à exploração, pobreza, fome, doenças e violência no campo.

O modelo agrícola químico-dependente tem produzido o aumento exponencial do uso de agrotóxicos, tanto em termos de expansão de suas áreas como a intensificação por meio do aumento da aplicação de agrotóxicos em uma determinada área, resultando em graves impactos socioambientais e à saúde ambiental e humana. O governo Bolsonaro já publicou a aprovação de 1589 novos produtos agrotóxicos. É quase a metade de tudo o que já foi licenciado até hoje, 3655 agrotóxicos. Está tramitando no Senado o PL 6299, denominado PL do Veneno que visa o desmonte da regulação e da fiscalização dos agrotóxicos, trazendo o risco do Brasil se tornar uma lixeira tóxica do planeta, caso esse projeto de lei seja aprovado, com graves impactos à saúde das populações e ao SUS.

Historicamente, o desenvolvimento e a expansão da agricultura também são produtos da expulsão, exploração e genocídio de diferentes povos de seus territórios: indígenas, quilombolas, trabalhadores rurais assalariados, camponeses etc. O desenvolvimento do capital atua desde o princípio como um rolo compressor social e ambiental, uma vez que também está intrinsecamente associado ao desmatamento e exploração das nossas florestas e recursos naturais. Reforçamos: a modernização conservadora da agricultura, hoje conhecida como “agronegócio”, reforçou a concentração de terra e de poder no país e lucros para uma minoria às custas da miséria da população do campo e de profunda degradação ambiental.

Questão urbana

As cidades sofrem processos de degradação das condições de vida e situação de saúde derivados das desigualdades socioambientais, do déficit da infraestrutura, dos equipamentos sociais, bem como dos impactos da espoliação da natureza, das coleções hídricas, do desmatamento e da poluição ambiental, hídrica e edáfica (solos). Mesmo diante da crise ecológica, a luta pela Reforma Urbana sofreu profundo retrocesso no Brasil.

O déficit habitacional torna as cidades cada vez mais vulnerabilizadas, em que camadas expressivas dos trabalhadores, empurrados para a pobreza, vivem em habitações precárias, muitas delas em áreas de risco. Em muitos casos, quando ocorrem intervenções de urbanização, ocorrem também aumentos e acumulação de impostos, taxas e tarifas que impedem os trabalhadores de baixa renda de sobreviver, gerando processos de expulsão dos territórios e gentrificação. O país tem uma dívida ecológica com o saneamento básico e sua ausência reflete e reforça as desigualdades sociais e o racismo ambiental. O direito ao acesso à água contínua e potável é interrompido quando se aproxima das favelas ou dos bairros populares.

Os movimentos de agricultura urbana e periurbana vão se fortalecendo em decorrência de uma luta persistente para a geração de trabalho e renda. Em diversas cidades, a escala dessas experiências interfere positivamente em sua urbanidade. Iniciativas nesse sentido são fundamentais no caso das periferias urbanas, uma vez que nessas áreas se localizam comunidades de baixa renda que, em muitos casos, são abandonadas pelos governos, com precariedade de políticas públicas.

A mobilidade urbana é um dos maiores problemas ecológicos decorrentes da emissão de gases de feito estufa e da poluição atmosférica, bem como do sofrimento diário enfrentado pela classe trabalhadora, que consome muitas horas de seu dia e de suas vidas em transportes públicos em péssimas condições e com passagens caras, que, em muitos casos, restringem o direito à cidade a esses trabalhadores.

Além das longas horas de trabalho, cada vez mais expandidas na atualidade, o tempo livre passa a ser uma farsa, na medida em que uma parcela expressiva dele é consumida no trânsito. A redução da jornada social de trabalho, reivindicação histórica das organizações comunistas e socialistas, é estratégica para que a classe trabalhadora tenha condições de produção e reprodução de sua vida com dignidade e possa se humanizar por meio do descanso, do lazer, da leitura, da relação com a natureza e os bens comuns. A eliminação do tempo livre é mais agravada para as mulheres trabalhadoras, considerando a sua maior exploração e opressão diante da divisão sexual do trabalho.

Na medida em que a burguesia estabelece formas de impedir o tempo livre, reduz a força da classe trabalhadora de se organizar e de atuar coletivamente, ampliando a privatização da vida.

Grandes movimentos, como o do “Passe Livre”, traziam consigo os debates e as reivindicações do direito à cidade, ao lazer e ao tempo livre, processos que somente serão conquistados com o fortalecimento da luta de classes. “Na sociedade capitalista, produz-se tempo livre para uma classe, transformando todo o tempo de vida das massas em tempo de trabalho” (Marx, 2013).

A classe trabalhadora e a luta ecológica no Brasil

Não há revolução socialista sem a direção da classe trabalhadora, assim como não há luta ecológica efetiva e coerente que não inclua as necessidades e a participação direta da classe trabalhadora. No primeiro caso os trabalhadores são o sujeito de sua própria libertação da condição de explorados, no segundo chamamos a atenção para a limitação de qualquer solução que não inclua a maioria das pessoas que cada vez mais – sob diversos arranjos específicos – dependem da venda e exploração de sua própria força de trabalho.

É um sintoma da luta ideológica contra a centralidade do trabalho e contra qualquer protagonismo da classe trabalhadora que na luta ambiental a burguesia assimile – parcialmente, claro – os temas do racismo ambiental e do feminismo sob a importante bandeira da (in)justiça ambiental, mas relegue a dimensão do trabalho na luta ecológica, que precisa urgentemente ser (re)habilitada, e essa tarefa só poderá ser obra dos próprios trabalhadores da cidade, as populações do campo, das florestas, das águas e seus aliados. É preciso desconstruir a noção de que a luta dos trabalhadores por sua emancipação e a defesa da natureza sejam excludentes e que o encontro entre essas lutas seja uma grande novidade. Se fizermos um resgate histórico, veremos que essa união acontece antes mesmo de o Ecossocialismo existir como uma corrente de pensamento.

A lógica de desenvolvimento infinito das forças produtivas sobre uma perspectiva economicista continua presente e fazendo estragos. Irrompe cotidianamente nas noções e ações de dirigentes partidários, sindicais e no movimento social quando desconfiam e até mesmo acusam ecologistas de lhe tirarem empregos, ou ainda, de aliados do imperialismo que não querem que o Brasil explore suas riquezas e se desenvolva. A chantagem locacional de investimentos e postos de trabalho é uma forma recorrente utilizada pelo conluio entre estado e grandes corporações. É amplo o leque de argumentação que advém, inclusive, de setores combativos e honestos. O enfrentamento a esse legado histórico é mais uma das contribuições que o ecossocialismo que defendemos já faz e continuará fazendo ao ser consequente com o diagnóstico da urgência em atuar sobre a crise ecológica a partir da perspectiva da superação do capitalismo. Para esse bom combate convém ampliar e apoiar o resgate das lutas da classe trabalhadora e movimentos sociais já alinhados com a luta ambiental, inclusive como recurso à sua própria sobrevivência corpórea. Esse caminho pode bem ser considerado como o maior legado de Chico Mendes, que na luta dos seringueiros e de outros trabalhadores que viviam do extrativismo, para defender suas vidas e consequentemente da floresta em pé, vai se unir com as comunidades indígenas e grupos camponeses, formando a Aliança dos Povos da Floresta na perspectiva da defesa do bioma, em nível nacional e internacional.

É muito comum que os pobres, mesmo nos países ricos, e os países mais pobres sejam acusados de barbarizar o meio ambiente. Bela e conveniente mentira que a burguesia nos conta, porém necessária para manter as coisas como estão e esconder que 1% dos mais ricos são responsáveis por 50% da emissão de CO2 (Marques, 2018). Os países mais pobres, em especial nossa América Latina, nunca tiveram opção de não devastar, não destruir, pois salvo raros e curtos momentos da história (como em Cuba, após 1959, por exemplo), mal tiveram seus destinos em suas próprias mãos, desde a colonização até hoje. O sujeito da nossa devastação não principiou por “nós”, vieram primeiro os colonizadores e desde então vê-se a mesma sanha e fúria contra a natureza e os corpos que aqui habitam, modus operandi de atuação da autocracia burguesa brasileira, que alterna com menor ou maior virulência as contra-reformas preventivas conforme as situações de instabilidade e crise do poder burguês (Fernandes, 2020).

A partir do final do século XX, assistiu-se em todos os cantos do mundo, uma aceleração tremenda da exploração da natureza. Os anos de 1980 foram marcados pela crise da dívida externa que impôs o lema “exportar é o que importa” para que os países da região – incluindo o Brasil –, saldassem seus débitos. Adivinha com que tipo de produtos esses déficits buscavam ser sanados? Com minério, produtos agrícolas, carnes de animais e toda a sorte de commodities aqui produzidas. Na década de 1990, o capital não queria mais apenas os produtos primários baratos, queria também o controle direto dessa produção, e por meio das políticas preconizadas no Consenso de Washington passou a arrematar diretamente o controle das empresas que foram sucessivamente entregues por meio das privatizações. No Brasil, o caso da privatização da Companhia Vale do Rio Doce, atual Vale, por R$3,3 bilhões é emblemático (Biondi, 2003).

No início do século XXI, teve lugar um longo ciclo (2002-2014) de alta de preços das commodities (produtos básicos), que incentivou a mercantilização da natureza tanto por meio da incorporação de novas áreas quanto pela intensificação da exploração. Não é sem motivo que os movimentos indígenas e comunidades tradicionais promoveram sucessivos levantes em toda a América Latina. Essas pequenas ou grandes insurreições foram geralmente massacradas, algumas vezes com tiros em praça pública, como o caso da tentativa de exploração de ouro no Peru no projeto Conga que resultou em cinco camponeses assassinados publicamente, outras vezes por meio de recursos à legalidade e em nome do progresso, como foi o caso da construção das usinas hidrelétricas de Belo Monte, no rio Xingu, Jirau e Santo Antônio, ambas no Rio Madeira, que foram palco de graves violações de direitos humanos, greves e mortes durantes as obras, com violentos conflitos, antes, durante e depois de suas implantações. As veias da América Latina continuam abertas e sangrando (Galeano, 2011).

Ao longo da história a luta da classe trabalhadora tinha muitas vezes o caráter ecológico mesmo que o termo não fosse utilizado e é preciso considerar que o despertar para essa dimensão dos conflitos é mais recente. Chico Mendes chegou a declarar que ficou sabendo que era ecologista muito tempo depois de assumir a liderança da luta dos seringueiros no Acre. Os trabalhadores metalúrgicos de Cubatão, ao combater a poluição, diziam fazer o que sabiam: luta sindical, o que incluía a saúde dos trabalhadores, reafirmando a indissociabilidade entre saúde e ambiente.

A propagada transição energética, tema central da (falsa) solução chamada Economia Verde, aterroriza milhares de trabalhadores no Brasil, na nossa região e no mundo, que retiram seus salários da exploração, produção e comercialização de combustíveis fósseis. A Economia Verde não se importa com esses trabalhadores, assim como não se importa com os trabalhadores rurais e da construção civil que já são duramente afetados por um planeta mais quente, como reconhecido pela própria OIT. As soluções capitalistas não se importam com os trabalhadores e, por outro lado, o “ambientalismo jardineiro” não contribui ao propagar mudanças imediatas e milagrosas que sequer mencionam a força de trabalho que precisará de novas alternativas de sobrevivência. De quebra, a mesma Economia Verde e seu discurso, sem dar solução para os trabalhadores, os entregam para alternativas de continuidade de setores e negócios que são sabidamente danosos ao meio ambiente e à saúde. Arma-se, assim, uma verdadeira guerra de todos contra todos, em que não faltam ataques de ambientalistas a sindicalistas e vice-versa.

Não é nada simples resolver essa equação, muito menos a partir dos marcos do capitalismo. No entanto, soluções reais e imediatas precisam ser observadas e só será possível considerando a classe trabalhadora e sua participação direta nesses processos.

  1. RACISMO AMBIENTAL

A história do capitalismo e do racismo se entrelaçam fortemente, de tal forma, que é impossível contar a história de um sem o outro. Historicamente, o complexo escravagista do Atlântico foi fundamental para alicerçar as bases do sistema capitalista. Talvez seja possível afirmar que em nenhuma outra parte do mundo essas marcas foram e são ainda hoje tão sentidas como no Brasil, responsável por receber quase metade de todos os africanos escravizados no mundo, além de ter sido o último país das Américas a abolir formalmente a escravidão. Esse lembrete histórico é importante para reafirmar o porquê o racismo no Brasil é de fato estrutural e determinante em todas as esferas da vida.

O professor e intelectual Silvio Almeida contribuiu bastante para popularizar a expressão do racismo estrutural. Muito mais do que motivações individuais, o racismo está entranhado na estrutura da sociedade, infiltrado nas instituições e na cultura. Logo, a racialização dos povos é fator determinante para a estruturação da vida econômica, social, educacional, e sem dúvidas também, ambiental e ecológica.

As elaborações que unem raça e ecologia são ainda muito recentes, mas altamente necessárias. A realidade brasileira, marcada pela escravidão negra e indígena e a falta de reparação histórica, faz com que o cerne da exploração capitalista recaia sobretudo nesse setor racializado, que é vítima não só da violência policial escancarada e dos demais ataques do Estado, mas também, do próprio racismo ambiental, seja em contexto urbano ou no campo. Dessa forma, é impossível falar de ecologia de forma consequente, sobretudo no Brasil, sem racializar o debate.

Racismo ambiental – um conceito necessário para a realidade brasileira

O conceito de Racismo ambiental foi utilizado pela primeira vez na década de 80, no movimento das lutas pelos direitos civis nos EUA. Traduz a forma como determinados grupos étnicos são desprovidos de direitos socioambientais e expostos a diversas formas de precarização. Nessa época, uma pesquisa realizada pela comissão de justiça racial da United Church Christ, concluiu que a composição racial de uma comunidade é a variável mais apta a explicar a proximidade ou não de depósitos de rejeitos perigosos de origem comercial em uma área. Ou seja, a distribuição dos depósitos de resíduos químicos perigosos correspondia à distribuição territorial das etnias mais pobres nos Estados Unidos.

Apesar de o termo surgir nos Estados Unidos, é um conceito que extrapola realidades locais, pois as situações de racismo ambiental são reproduções da própria organização social desigual, em que a maioria da população é destituída do direito à cidade, no caso do meio urbano, e também destituída do direito à terra, território e identidade, no meio rural. No Brasil, são sobretudo as populações negras e indígenas que representam essa parcela significativa diretamente atingida pelo racismo ambiental e pela negação de direitos.

O “Mapa de Conflitos e Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil” organizado pela Fiocruz fez um levantamento importante por meio de um banco de dados que reúne e mapeia os casos de conflitos e injustiças socioambientais distribuídos pelos estados do Brasil. As populações atingidas são as esperadas: indígenas, quilombolas, ribeirinhas, pescadores artesanais, caiçaras, agricultores familiares, moradores de encostas e das periferias brasileiras. Os danos vão desde consequências do desmatamento, queimada, contaminação do solo, a impactos de grandes empreendimentos em aterros contaminados, deslizamento de terra e desnutrição. O racismo, a injustiça ambiental, as iniquidades em saúde e a falta de direitos históricos são os fatores cruciais que unem todos estes.

Em relação à população indígena brasileira, muito antes do Brasil de Bolsonaro, esta é a maior vítima do genocídio existente. Ao longo dos séculos foi praticamente dizimada. De milhões passaram para alguns milhares, tendo diversas etnias literalmente extintas. Das quase 2 mil línguas indígenas que existiam, hoje restam cerca de 250, escancarando não apenas a morte física desse povo, mas o próprio etnocídio que mata a cultura, a história, a tradição, a identidade, ou seja, toda a sua cosmovisão. O avanço do agronegócio, dos grileiros, da mineração, o enfraquecimento das leis ambientais, a falta de demarcação das terras, o desmatamento, se alastraram no governo Bolsonaro e se somaram ao genocídio pelo trato com a Covid 19. Em fevereiro de 2021, morreu o último homem guerreiro da etnia Juma, vítima do tratamento precoce e ineficaz de Bolsonaro.

Ainda que esses crimes sejam postos de forma justa na conta do governo Bolsonaro, precisamos entender que a causa indígena corresponde a “um buraco muito mais embaixo” e está associada ao próprio advento do capitalismo e sua acumulação primitiva. Ou como aponta Mariátegui (2008) “a questão indígena nasce de nossa economia. Tem suas raízes no regime de propriedade da terra”. É o caráter da propriedade privada e agrária no Brasil o maior empecilho para a demarcação de terras indígenas, assim como a acumulação do capitalismo e sua exploração infinita dos recursos naturais a principal causa do ecocídio em curso que tanto atinge os povos tradicionais e que marca o racismo ambiental. O capitalismo é, por essência, justamente isso, uma usurpação da riqueza pública e da natureza. Logo, falar sobre ecossocialismo no Brasil é compreender essa relação com a terra e os povos tradicionais.

Apesar de muitas vezes o debate ecológico se centrar no campo, as questões urbanas também fazem parte da pauta ecossocialista. Lá atrás Marx e Engels já falavam sobre a condição da classe operária inglesa de 1844 (Engels, 2010) e a insalubridade das fábricas e dos bairros operários nas grandes cidades frente à poluição ambiental. Trazendo para os dias de hoje, nos centros urbanos a situação não é tão diferente. Cabe destacar que a imensa maioria da população brasileira, mais de 80%, vive em áreas urbanas e a relação que estrutura o Brasil desde sua invasão é a mesma que estrutura as cidades a partir da lógica de captação e distribuição de recursos, da disposição de serviços e de quais locais as classes dominantes e trabalhadoras ocupam.

Nesse sentido, é importante reafirmar: a desigualdade ambiental tem especificidades raciais. A estrutura racista e ecologicamente destrutiva permanece intacta. Portanto, como parte do racismo estrutural e institucional, o racismo ambiental é organizador da vida urbana. Precisamos ressaltar aqui a composição social da maioria da classe trabalhadora no Brasil, ou seja, destacar a importância do componente racial. Quando afirmamos que a parcela mais precarizada da classe trabalhadora é deslocada para as regiões mais insalubres e ecologicamente precárias, estamos falando sobretudo da população negra. Com a virada para o século XX e a abolição formal da escravidão, a população negra foi constantemente empurrada para regiões mais afastadas e/ou precarizadas das cidades. Assim, foi sempre espoliada dos serviços básicos e empurrada cada vez mais para regiões fragilizadas em termos ambientais. Este é um processo histórico ainda em desdobramento que conecta a trajetória do nosso país desde sua invasão até os dias atuais.

Assim, quando falamos do racismo ambiental como um elemento estrutural da lógica urbana, estamos tratando de questões como: saneamento básico, tratamento de esgoto e acesso à água precarizado; imensa desigualdade na arborização de bairros “nobres” e periferias; exposição maior aos efeitos dos eventos extremos, como deslizamentos de terra e inundações causadas por chuvas; proliferação de epidemias – inclusive aquelas que já possuem prevenção e cura como a Covid-19; e a gritante insegurança alimentar, resultado de uma lógica de produção alimentícia voltada para o lucro e a exportação, fazendo com que as comunidades periféricas padeçam de fome.

Por tudo isso, no Brasil, o racismo, a desigualdade social, a destruição ecológica e os impactos da emergência climática se interseccionam, ou seja, fazem parte de um mesmo problema. Portanto, é preciso unir o debate urbano, já feito a partir da lente racial, como sendo também uma pauta tremendamente ecossocialista, assim como todos os debates no campo que precisam ser aprofundados. Os marxistas do século XXI precisam compreender a centralidade desse debate e consequentemente defender o ecossocialismo como um horizonte estratégico que precisa estar conectado às lutas reais do povo negro, indígena, e a diversidade da classe trabalhadora.

  1. O ECOSSOCIALISMO QUE DEFENDEMOS

Um ecossocialismo da classe trabalhadora e povos oprimidos

O capitalismo tem no seu fundamento a exploração dos povos e da natureza. Seja os camponeses na Europa, ou os povos originários nas Américas, o sistema capitalista deu seu impulso inicial ao violentamente apartar as comunidades dos seus territórios, destruindo os vínculos que esses povos possuíam com a natureza e a forma tradicional de sua relação com o mundo natural e entre eles próprios. Assim, o capitalismo possui na sua estrutura, desde o princípio, a alienação: dos sujeitos, do trabalho, da natureza. Esta lógica alienante e destrutiva precisa ser constantemente renovada na sociedade capitalista que, orientada pelos imperativos de expansão e acumulação do capital, necessita intensificar a exploração humana e da natureza. A precarização das condições de vida da classe trabalhadora e dos povos oprimidos andam sob um mesmo padrão que a devastação do mundo natural.

Esta lógica ganha contornos mais visíveis no contexto atual de crise estrutural do capital (Mészáros, 2011) e agudização de suas tendências destrutivas. Em todo o planeta, os impactos das mudanças climáticas já começam a ser sentidos de forma mais presente, com seus efeitos tomando proporções disruptivas e ocasionando catástrofes com profundos danos materiais e mortes. Infelizmente, a tendência é o aumento rápido e constante de tais efeitos catastróficos, com um grau de destrutividade muito maior em países da periferia do capitalismo. Isto é, países com maior fragilidade e menos capacidade adaptativa às mudanças climáticas, ou potencialidade de recuperação diante eventos extremos, sofrerão de maneira acentuada e mais frequente do que os países do centro do capitalismo — precisamente aqueles com maior papel nas emissões de gases de efeito estufa. Por óbvio, mesmo nos países do centro do capitalismo, as mudanças climáticas não são vividas da mesma maneira por todos, já que a classe trabalhadora desses países é atingida de maneira completamente diferente do que a burguesia. Enquanto os capitalistas se refugiam como, e enquanto, podem dos eventos extremos, as trabalhadoras e os trabalhadores sofrem, sem qualquer refúgio, com as catástrofes cada vez mais rotineiras assolando especialmente as periferias dos grandes centros urbanos.

No Brasil, em sua condição de periferia do capitalismo e sendo um país tropical, os impactos tendem a ser radicais. O Brasil é um país marcado pela exploração da natureza, dos povos originários e da população negra. Mais do que meras contingências históricas, estes elementos são características inscritas na formação social do país, fundantes dos seus pilares econômicos e estruturantes do capitalismo em terras brasileiras. Portanto, são elementos que atravessam temporalmente o desenvolvimento histórico do Brasil, desaguando na realidade que encontramos hoje. Basta vermos que a mineração, o agronegócio, barragens e grandes empreendimentos seguem avançando sobre as florestas, desmatando e destruindo a biodiversidade, acabando com os modos de vida das populações ali existentes e carregando miséria e morte por onde passam. Desde a invasão e colonização do Brasil, os povos originários resistem heroicamente, lutando pela preservação de seu modo de vida, mas também pela preservação da natureza — que, na sua cosmovisão, não é um externo ao ser humano, mas ambos, natureza e humano, parte indivisível do mesmo. Hoje, como no passado, os povos originários e as comunidades tradicionais vivem com a marginalização operada pelo sistema capitalista, a estigmatização das suas práticas de vida e a violência estrutural tão marcante em um país que tem sua coluna econômica estabelecida no neoextrativismo, como o agronegócio e a mineração.

A agricultura e pecuária industrial, associada as indústrias químicas e bancos, além de serem marcas na violência contra os povos originários, também são um elemento central na destruição da relação do campesinato com a terra. Cada vez mais, pequenos agricultores são comprimidos contra o imenso aparato do agronegócio, com seu maquinário e agrotóxicos, invadindo com transgênicos todos os limites rurais. É expressivo o número crescente de trabalhadores assalariados do campo, em grande parte pessoas que não tiveram condições de manter sua subsistência baseada no pequeno cultivo e familiar. Assim, a lógica monoculturista químico-dependente da agricultura industrial prejudica a diversidade dos nossos alimentos, as condições de segurança alimentar para a população, mas também a própria estrutura econômica do campesinato, que vive em condições de penúria e precarização.

Em conjunto com a opressão nas florestas e no campo, vemos como parte integrada da lógica capitalista a opressão nos centros urbanos e periferias. Com a modernização do capitalismo, também ocorre a modernização das formas que o sistema organiza sua teia de exploração. De todo modo, não é o caso dos centros urbanos deixarem a lógica dominadora que está inscrita na estrutura social do nosso país, mas pelo contrário, a relação que estrutura o Brasil desde sua invasão é a mesma que estrutura a maneira pela qual se dá nas cidades a lógica de captação e distribuição de recursos, da disposição de serviços e de quais locais as classes dominantes e trabalhadoras ocupam. A estrutura racista e ecologicamente destrutiva permanece intacta. Hoje a população negra é deslocada para as periferias das cidades, afastadas de serviços e recursos básicos e mais expostas aos impactos dos eventos extremos. Do mesmo modo que cabe à população negra os empregos mais precarizados, ela também é relegada às regiões mais insalubres dos centros urbanos. Assim, são os negros e negras que precisam conviver com pouco ou inadequado saneamento básico; moradias em regiões com risco de enchente e deslizamentos; comunidades sem arborização e expostas às ondas de calor; a exposição a doenças, inclusive aquelas que já possuem prevenção e tratamento; e a gritante insegurança alimentar, resultado de uma lógica de produção alimentícia voltada para o lucro e a exportação, fazendo com que as comunidades periféricas padeçam de fome.

Partindo dessa análise sobre as condições da classe trabalhadora e povos oprimidos no Brasil em relação com a questão ecológica e climática, devemos deixar claro que não defendemos um ambientalismo genérico e vago, ou uma compreensão rasa, perigosa e mesmo reacionária de que “os humanos são a peste do planeta”. Pelo contrário, compreendemos de forma clara que o sistema capitalista e a burguesia, enquanto classe, são o motor da destruição ecológica que presenciamos. Seja no centro do capitalismo ou na sua periferia, é a classe dominante que lucra e prospera às custas da destruição do planeta e da exploração da classe trabalhadora, características determinantes e indispensáveis do sistema capitalista. Por consequência, também não consideramos que a questão ecológica seja uma questão sem sujeito: é a classe trabalhadora em seu todo e sua complexidade, mas de forma concreta e não abstrata, entendendo a centralidade de seus componentes raciais e de gênero. Do mesmo modo, existe um largo bloco social de povos oprimidos que são barbaramente explorados pelo sistema capitalista e violentamente afetados pelos impactos da destruição ecológica e emergência climática. Assim, reafirmamos o caráter profundamente classista do ecossocialismo que defendemos, rejeitando qualquer mistificação liberal e burguesa sobre as saídas do labirinto climático.

Um ecossocialismo para romper com o desenvolvimentismo

Por muito tempo dentro da tradição socialista foi quase hegemônica uma visão linear do desenvolvimento histórico, conectando o avanço da sociedade com a intensificação das lógicas produtivistas. Mesmo nas experiências socialistas históricas é muito claro que a aposta para enfrentamento ao capitalismo acabou por se tornar uma cópia de padrões do capital, exercendo grande peso sobre o metabolismo natural. Por incompreensão, ou distorção, defendeu-se um socialismo produtivista, extrativista e explorador, sem atentar-se aos limites claros da natureza, acreditando que ao aplicar tal lógica marchavam para o futuro. O resultado foi a criação de sistemas opressores e destrutivos. Infelizmente, no século XXI mantém-se uma perspectiva desenvolvimentista, especialmente no nosso continente. Acredita-se que o caminho para a prosperidade da periferia do capitalismo seja alcançar os padrões do que se considera desenvolvimento no centro do capitalismo. Assim, permanece a forte associação entre bem-estar da população com exploração da natureza. Se no passado essa lógica era problemática, hoje ela é catastrófica.

A ideologia do desenvolvimento (Prado, 2020), contextualizada no início da Guerra Fria, momento em que surgiu o termo “países subdesenvolvidos”, passou a influenciar os países no pós-guerra, cumprindo a finalidade dos países capitalistas, com centralidade do imperialismo dos EUA, em oferecer apoio e ampliar a área de influência sobre os países da periferia do capital. No Brasil, o desenvolvimento, a partir da década de 1950, se apresenta como horizonte utópico, se amalgamando aos interesses da burguesia industrial nacional, sob forte influência positivista. Entretanto, houve na América Latina e no Brasil um enraizamento de uma proposta de desenvolvimentismo, caracterizado pela industrialização direcionada para o enfrentamento das desigualdades sociais e da pobreza, tendo Celso Furtado à frente, incorporando as reformas de base, a reforma agrária e o desenvolvimento das regionalidades, ainda que dentro dos limites do capitalismo.

Críticas ao desenvolvimentismo foram realizadas por diversos intelectuais na década de 1960, dentre as quais, a Teoria Marxista da Dependência (TMD) que considerava a centralidade de incluir temas como o papel do proletariado, a luta de classes, a revolução brasileira e a crítica à estratégia da revolução democrática burguesa defendida pelos partidos comunistas à época.

O projeto das reformas de base foi interrompido pela violência da ditadura civil-empresarial, que seguiu o ideário desenvolvimentista subalternizado, invertendo diretrizes anteriores a partir do fortalecimento das relações de dependência da burguesia nacional com os EUA, onde as propostas de redução das desigualdades sociais foram descartadas.

Após a política neoliberal de FHC, programas desenvolvimentistas retornaram durante os governos do PT. Contudo, reeditados em um programa neodesenvolvimentista, que manteve distância das reformas estruturais de base e sucumbiu ao projeto de reprimarização da economia com grandes empreendimentos, os quais trouxeram intensos impactos socioambientais negativos. Em síntese, variantes do desenvolvimentismo não fazem o enfrentamento direto ao neoliberalismo e ao grande capital e sofrem de um transformismo constante da estratégia democrática popular, seus programas e bandeiras fundantes da esquerda brasileira. A partir de uma premissa acrítica e histórica, o desenvolvimentismo é um dos maiores impasses de um programa de esquerda, e se reduz, de forma pragmática, ao desenvolvimento capitalista, causador da crise econômica, política e ecológica e nossos tempos.

O ecossocialismo que defendemos é a mudança radical da sociedade, seguindo o melhor da tradição marxista. Por consequência, devemos ir à raiz do sistema capitalista, compreendendo que não é possível superar o capitalismo e manter uma sociedade que opere da mesma forma que o capitalismo operava. Por isso, a defesa marxista por uma outra sociedade deve necessariamente romper com a lógica do sistema capitalista e instituir uma outra forma de organização social — não mais presos aos imperativos expansionistas e predatórios do capital, mas orientando nosso metabolismo social a partir das necessidades reais da sociedade humana e com o metabolismo próprio da natureza. Isto não significa cair em romantismos utópicos de uma harmonia pré-capitalista, afinal, somos materialistas e entendemos que a roda da história não gira para trás — e nem gostaríamos que girasse. É precisamente por sermos materialistas que compreendemos as limitações objetivas de reprodução da natureza e sua relação conflitante com o atual estágio de desenvolvimento do capitalismo, o que também indica o que é possível e o que não é possível em uma sociedade que supere o capitalismo. Por isso defendemos que é possível conciliar a estruturação da sociedade com as necessidades do metabolismo natural, superando a compreensão capitalista e típica do nosso tempo que associa o desenvolvimento da humanidade com a dominação brutal e opressora da natureza. Mais do que dentro do campo de possibilidade, está no campo de necessidade. Se não conseguirmos encontrar uma maneira de estruturar a sociedade em alguma harmonia com os ciclos naturais, não conseguiremos estruturar uma sociedade que garanta o mínimo de uma boa vida para a humanidade.

Entendendo os limites ecológicos do planeta, que estamos rompendo com toda violência, é preciso que qualquer visão de mundo verdadeiramente marxista veja a questão ecológica com centralidade e prioridade, abandonando visões antigas e inadequadas que por muito tempo circularam dentro da tradição socialista, que reproduziam a mesma lógica produtivista do capitalismo, como meio de atingir o socialismo. A dominação destrutiva deve ser abandonada em uma sociedade socialista. Na verdade, entendemos que a lógica que submete a natureza é a mesma que sujeita a classe trabalhadora à exploração e à dominação. No fundo, o que reivindicamos é o que já afirmava o próprio Marx no livro III do Capital:

Do ponto de vista de uma formação econômica superior da sociedade, a propriedade privada do globo terrestre nas mãos de indivíduos isolados parecerá tão absurda quanto a propriedade privada de um ser humano sobre outro ser humano. Mesmo uma sociedade inteira, uma nação, ou, ainda mais, todas as sociedades contemporâneas reunidas não são proprietárias da Terra. São apenas possuidoras, usufrutuárias dela, e, como boni patres famílias (bons pais de família), devem legá-la melhorada às gerações seguintes (MARX, 2017, p. 836).

Um ecossocialismo que reconfigure produção e consumo

O sistema capitalista, para garantir sua sustentação, criou e cria constantemente uma série de necessidades artificiais e de mediações alienadas. Assim, com base nisso, todo o sistema pode operar a partir dos imperativos do capital sem que haja grandes contestações. A divisão do trabalho, o Estado burguês, as estruturas sociais mais íntimas, tudo que faz parte do tecido social do atual sistema está a serviço da lógica do capital. O resultado é uma organização da produção e lógica do consumo que também têm como base a alienação e como resultado a destrutividade. Como vimos na seção anterior, a lógica produtivista do capital é uma lógica destrutiva, que domina, explora e violenta ao mesmo tempo a classe trabalhadora e a natureza. Como outra ponta deste processo, temos a lógica consumista produzida pela sociedade atual. O produtivismo violento precisa do consumismo desenfreado e vice-versa. A cada passo da sociedade capitalista vemos uma intensificação de tal lógica, com cada vez mais expansão de nichos de mercado e mais produtos circulando na sociedade. De tal modo, o capitalismo destrói a natureza avançando sobre as áreas selvagens, intensificando o extrativismo e aumentando constantemente os níveis de emissão de gases de efeito estufa, mas também com a produção de uma imensa variedade de produtos supérfluos que logo viram resíduos e poluição.

Como parte central desta operação capitalista está a obsolescência programada. É comum ouvir a comparação de que uma geladeira de 30 anos atrás funcionava por muito mais tempo do que as de hoje em dia, ou de que os primeiros celulares resistiam a tudo, enquanto os de hoje param de funcionar por qualquer razão. Isso ocorre porque nada mais é criado com o objetivo de durabilidade, mas cada produto é fabricado com uma data de validade antecipada, para que estraguem mais rápido e assim as pessoas precisem comprar novos produtos para substituir os anteriores. Não é lucrativo que uma pessoa fique anos com o mesmo celular. Quando não é por conta da pouca durabilidade dos produtos, é com a invenção de novos modelos com promessas de grandes novidades tecnológicas. Assim, o capitalismo também submete todo avanço tecnológico aos seus imperativos, devendo corresponder sempre aos interesses do sistema.

Compreendendo a problemática do consumo, é preciso eliminar duas possíveis conclusões equivocadas. A primeira, é a conclusão liberal do problema. O discurso liberal já percebeu que não é possível furtar-se do debate ecológico e climático, portanto formula sua própria perspectiva sobre a questão que se fundamenta na individualização do problema, ou melhor dizendo, na responsabilização do indivíduo. Neste registro, são as pessoas, enquanto consumidores, que possuem a responsabilidade pela destruição da natureza e são as pessoas, apenas enquanto consumidores, que podem agir para impedir o avanço desta destruição. Como? Reduzindo o lixo, reciclando, optando por marcas “eco-friendly” etc. Até mesmo a “pegada de carbono”, que serve para calcular quanto uma determinada atividade, foi transferida para o âmbito individual e jogando para as pessoas reduzirem sua “pegada de carbono individual”. Por óbvio, o discurso individualizante serve para livrar o capitalismo do ônus da questão, separando produção e consumo, como se não houvesse elo entre os dois ou como se fosse possível controlar a produção via consumo. Portanto, precisamos rejeitar completamente qualquer elemento desta perspectiva.

A segunda conclusão equivocada é de que devemos todos, da mesma forma e ao mesmo tempo, mudarmos a forma como produzimos e consumimos. Se é verdade que todo o mundo está inserido no circuito de produção-consumo do capital, não é verdade que todo o mundo está inserido do mesmo jeito e com as mesmas responsabilidades. Circulam muito nos dias atuais concepções como o chamado “decrescimento”, no qual o encolhimento das economias seria uma solução para a atual crise. O decrescimento equivoca-se ao apostar em uma saída dentro do capitalismo — já que é impossível decrescer no capitalismo sem ruir o sistema todo — e por ignorar o fato de que isto não apresenta uma solução para todo o globo. Nos países da periferia capitalista ideais como decrescimento não fazem qualquer sentido. A lógica da produção e do consumo em países como o nosso passam por uma estruturação diferente, com as classes dominantes reproduzindo padrões de consumo dos países europeus, enquanto a classe trabalhadora passa por fome e miséria. Reconfigurar a produção e consumo para uma nova sociedade exige compreender que existem profundas desigualdades globais e que a transição precisa operar uma transformação que leve em consideração tais desigualdades, entendendo que o centro e a periferia do capitalismo possuem diferentes desenvolvimentos históricos e carências e possibilidades distintas.

Por fim, o ecossocialismo que defendemos

Vivemos em um tempo no qual as contradições do capital geram as consequências mais destrutivas. Por isso, a superação deste sistema se faz mais necessária a cada instante. É preciso que tenhamos clareza e convicção do que propomos como alternativa à barbárie e à extinção de inúmeras espécies, inclusive a nossa. O capitalismo, como um sistema com grande capacidade de reconfigurar-se, apropria-se de todas as pautas que expõem seus efeitos destrutivos, dando a elas um tom domesticado, integrável ao sistema. Assim, a perspectiva liberal do capitalismo verde, a exemplo do idealismo do desenvolvimento sustentável, tenta — com relativo sucesso — apresentar uma saída de mercado à emergência climática, tirando da atual crise todo seu conteúdo profundamente político e de classe. Essa é uma das faces do negacionismo capitalista, mais sutil do que o negacionismo aberrante que rejeita a ideia de mudança climática, mas igualmente perigoso. A construção de uma alternativa precisa levar em conta todas essas questões e expor de forma concreta as reais razões da sensível situação em que nos encontramos.

Se o capitalismo tenta apagar o conteúdo de classe da crise ecológica, nós devemos apontar que é a burguesia que lucra com a destruição das nossas condições de vida e que somente a classe trabalhadora e os povos oprimidos podem dar fim à barbárie capitalista e construir uma outra forma de vida que possibilite não só a nossa permanência enquanto sociedade, mas uma vida plena e que não veja a natureza como mero recurso para extração. Se o capital tenta esconder o papel do seu modo de produção na crise ecológica, nós devemos deixar claro que o produtivismo capitalista é insustentável e nos levará ao fim das possibilidades da sociedade humana e que é preciso construir uma forma de produzir e consumir que leve em conta não as necessidades artificiais do capital, mas sim as necessidades reais da humanidade em harmonia com as necessidades do metabolismo da natureza. Por isso, o ecossocialismo que defendemos é construído pela classe trabalhadora e povos oprimidos em luta contra a destruição produzida pelo capitalismo, que na sua luta produz uma nova sociedade e uma nova forma de viver. Um ecossocialismo da população negra, dos povos indígenas, da classe trabalhadora e povos oprimidos de todo o mundo. Se o capitalismo é a morte, o ecossocialismo é a vida.

  1. POLÍTICA REVOLUCIONÁRIA DIANTE DA CRISE ECOLÓGICA: TÁTICA E ESTRATÉGIA

Até aqui, esta nota introdutória percorreu caminho semelhante ao de vários outros documentos sobre ecossocialismo que vêm proliferando no Brasil e no mundo. Mapeamos a gravidade da crise ecológica e a magnitude dos desafios impostos à humanidade por essa crise multiescalar e multidimensional , reafirmamos a potência crítica do marxismo e da perspectiva internacionalista, sem perder de vista as especificidades enfrentadas no Brasil.

Outro ponto comum a esses vários documentos é a discussão sobre tática e estratégia. Partimos de um diagnóstico que sustenta a inviabilidade ecológica da sociedade capitalista, que ela não pode seguir um outro curso a não ser aprofundar a destruição e a desestabilização dos sistemas naturais do planeta. Isso exige de nós, inclusive no plano tático, uma política consequente com essa compreensão. É verdade que em outros tempos a força da classe trabalhadora demonstrou-se capaz de obter concessões importantes do capital (ainda que tremendamente concentradas no centro do sistema e, mesmo ali, temporárias). Contudo, no plano ecológico, as tarefas são tão monumentais, tão urgentes e tão decisivas que qualquer pequeno passo na direção correta avança sobre um território em que o capital não pode admitir concessões. Como quer que avaliemos as virtudes e os limites das reformas do passado, simplesmente transpor para o âmbito ecológico as possibilidades e impossibilidades que ali se revelaram é um equívoco.

Precisamos de uma reflexão específica sobre a crise ecológica, capaz de alicerçar teoricamente um movimento revolucionário que não pode dar-se o luxo de não ser vitorioso. Não é difícil perceber que, se apoiamos o edifício da prática revolucionária sobre terreno movediço ou sobre pilares frágeis, qualquer estratégia que possamos conceber padecerá de problemas debilitantes de origem.

Antes de qualquer coisa, portanto, convém rejeitar explicitamente concepções de tática e estratégia que nos conduzem a becos sem saída. Há basicamente duas formas de relacionar tática e estratégia que precisam ser objeto de crítica: uma que faz um recorte meramente temporal, tomando a tática como o horizonte de curto prazo e a estratégia como o horizonte de longo prazo; e outra que faz um recorte de possibilidades, tomando a tática como o conjunto de ações dirigidas às possibilidades de sucesso imediato (ou às urgências do cotidiano) e a estratégia como o conjunto de ações dirigidas a um futuro indeterminado, ainda fora do alcance das possibilidades.

Um primeiro problema, compartilhado por essas duas versões, é que tática e estratégia comparecem como âmbitos de ação relacionados a conjuntos de objetivos dissociados. As urgências do cotidiano, de um lado, e um sonho de futuro, de outro. As pequenas vitórias insuficientes (mas possíveis) de hoje, de um lado, e as grandes vitórias necessárias (porém impossíveis no momento) de outro.

Numa leitura rápida, talvez não pareça tão problemático assim, tamanha é a recorrência com que tratamos a coisa nesses termos. No entanto, é crucial resgatarmos a compreensão viva de que há (e deve haver) uma relação de subordinação entre tática e estratégia. Mais importante do que resgatar essa compreensão, que nunca deixou totalmente de circular entre nós, é nos tornarmos capazes de extrair dela uma linha política consequente. É verdade que a estratégia é concebida tendo em vista um horizonte de tempo distendido. Mas não no sentido em que apontamos para um longo-prazo distante e desconectado do presente para, em seguida, voltarmos todas as nossas energias para os atropelos do dia a dia. Ao contrário, o horizonte temporal distendido alcança o futuro (que pode ser mais ou menos distante), mas começa hoje, no presente. É assim que a tática deve estar subordinada à estratégia. A pergunta que estrutura a tática não pode ser “O que posso (ou tenho que) fazer hoje?”. A pergunta que estrutura a tática tem que ser “O que posso (ou tenho que) fazer hoje a serviço da estratégia?”. As tarefas são determinadas por sua relação com a tática, não por sua localização no tempo ou nas agendas mais imediatas. Da mesma forma, a tática é determinada por sua relação com a estratégia.

Há dois outros problemas que podem ainda ser apontados. Um específico daquela versão relativa a “curto/longo prazo”. Outro específico da versão relativa a “possível/ainda impossível”

Quando circunscrevemos tática ao curto prazo e estratégia ao longo prazo, dissociando-os arbitrariamente, incorremos inadvertidamente no inusitado erro de conceber o longo prazo como uma espécie de resultado linear e necessário do curto prazo. Algo que poderia ser enunciado mais ou menos assim: se nos lançarmos com toda a nossa energia às lutas do presente, as condições de vitória no longo prazo serão mais ou menos automática e espontaneamente gestadas. Sendo assim, estaríamos, a rigor, construindo as vitórias do longo prazo ao simplesmente travar todas as lutas do presente que nos pareçam urgentes no presente.

Há dois erros importantes aí. Em primeiro lugar, o presente sempre estará povoado de lutas, ataques e urgências. Se a construção sistemática, diligente e persistente da revolução é adiada porque há lutas urgentes a serem travadas, então é líquido e certo que essa construção será adiada para sempre. Em segundo lugar, dessas lutas urgentes do presente, haverá aquelas que nos desviam do caminho revolucionário, as que suspendem momentaneamente a caminhada nessa direção e as que trazem possibilidades de efetivamente acumular forças para caminhar nessa direção. Se a tática está circunscrita ao curto prazo, dissociada da estratégia, somos levados a concluir a priori que todas as lutas urgentes devem ser travadas. Mas se a tática está conscientemente subordinada à estratégia, até mesmo as lutas urgentes apresentam naturezas distintas e cobram, portanto, reflexão e engajamento qualitativamente distintos.

Por fim, quando circunscrevemos a tática ao âmbito do imediatamente possível, colocamos, claro, pequenas vitórias ao nosso alcance. Como, nesse caso, a tática não está explícita e conscientemente subordinada à estratégia, sequer nos perguntamos se essas pequenas vitórias podem ou não ser acumuladas até o eventual desatar de um processo revolucionário; ou se essas pequenas vitórias, por sua própria natureza, são ou não frágeis e sujeitas a revogação; ou até mesmo se essas pequenas vitórias são ou não ilusórias.

Aqui encontramos uma questão crucial. Não é aconselhável supor que em algum momento será possível reunir, a um só tempo e de uma vez, todas as condições necessárias para a ruptura com a sociedade capitalista. Quando limitamos a tática ao âmbito das lutas que reúnem condições de sucesso imediato, ao invés de constituir as capacidades de organização que nos coloquem em condições de catalisar e dirigir um processo revolucionário, construímos pequenas vitórias compartimentadas. A esperança é que, de alguma forma, o engajamento nessas lutas fermente uma consciência política revolucionária. É justíssimo lembrar que encontramos algum (ainda que precário) apoio textual para esse tipo de expectativa até mesmo em Marx. No entanto, se a “lição” veiculada por essas lutas é que o capitalismo pode ser melhor do que ele é, o mais provável é que a consciência aí gestada tenha caráter contrarrevolucionário.

Essa debilidade fica particularmente saliente nas discussões sobre transição, que tratamos a seguir.

Transição

A ideia de transição é muito presente no pensamento ecossocialista e indica o caráter necessariamente processual de superação da sociedade capitalista. Detalhando um pouco mais essa processualidade, poderíamos dizer o seguinte: vivemos em um mundo regido pelo capital e defendemos um outro mundo possível, em que o capital tenha sido superado; esse novo mundo, contudo, não é criado a partir do nada, mas parido das entranhas do mundo atual; logo, nossa práxis se defronta com (e se dirige a) os parâmetros, as estruturas, as necessidades e as urgências do mundo atual; daí se impõe a necessidade de um programa de transição – i.e. um programa de ações que, travando luta com o (e no) presente, aponta para um outro futuro possível.

Aqui começam os problemas. O primeiro, mais óbvio, é confundir um programa de transição com a própria transição. Se nos debruçarmos sobre um dos programas de transição mais conhecidos (Trotsky, 2017), vemos que o conjunto de embates proposto ambiciona variados avanços do ponto de vista da classe trabalhadora, é verdade. Mas não tem a pretensão de operar, apenas com esses avanços, uma transição da sociedade vigente à sociedade futura. Nesse sentido, o programa de transição não opera uma transição, à espera de um período revolucionário. Muito menos opera uma transição que permitisse prescindir da revolução, pelo tempo que fosse. O programa de transição, se levado a cabo de maneira bem-sucedida, cumpre a tarefa de tensionar o presente até seu ponto de ruptura. Em outras palavras, cumpre a tarefa de desatar a revolução, não de esperar por ela. É a revolução, por sua vez, que abre de fato as possibilidades de uma efetiva transição.

Neste momento, já podemos enunciar a conclusão que nos interessa: um programa de transição ecossocialista não pode alimentar ilusões de que problemas ecológicos nevrálgicos do capitalismo sejam resolvidos ainda no capitalismo, sem que seus parâmetros fundamentais de reprodução estejam sendo desafiados e destruídos na medula. Um programa ecossocialista de transição precisa delinear um caminho de construção de uma revolução à qual possa ser dada uma direção ecossocialista.

A maneira como situamos transição e revolução no tempo pode a princípio parecer um esforço de puro preciosismo teórico, mas nas questões que interessam ao pensamento ecossocialista, é decisiva uma adequada compreensão do que é possível antes de uma revolução e o que se torna possível apenas em meio a uma revolução.

Sequer precisamos excluir a priori a possibilidade de que, para uma série de transformações sociais importantes, ocorram transições no interior da ordem vigente, mas o tema da crise ecológica cobra uma análise específica, conforme viemos insistindo. No centro do debate a respeito da transição ecossocialista, figura a urgência de realizar uma transição energética capaz de descarbonizar nossas atividades produtivas. Isso traz consigo uma série de desafios monumentais, todos eles inconciliáveis com a reprodução da sociedade capitalista. Tentemos abordar esse ponto usando um método de demonstração por absurdo.

Dado que o mundo é hoje profundamente desigual, uma transição energética que imponha igualmente a abolição das energias fósseis a todas as nações certamente será injusta, deixando frações imensas da humanidade aprisionadas em uma situação de penúria material ainda mais deplorável do que é hoje. Mas os ecossocialistas defendem uma transição justa, o que implica a necessidade de que as nações mais poderosas do sistema façam os maiores sacrifícios. É plausível imaginar que as nações econômica e militarmente mais poderosas do planeta, onde estão todos os maiores e mais importantes centros gravitacionais do Capital, tomariam a frente desse processo? Ou que assistiriam passivamente ele transcorrer, movido por vontade política e pressão popular reformistas?

Outro ponto relevante é que nossa capacidade atual de ofertar energia a partir das fontes ditas renováveis gira em torno do volume primário de energia demandado no início dos anos 50 do século XX. A rápida eliminação dos combustíveis fósseis exigiria, portanto, acomodar a demanda por energia a algo compatível com esse nível de oferta. Naturalmente, isso exigiria uma contração colossal não apenas do consumo residencial, mas especialmente do consumo de energia nas diversas atividades produtivas. Tal contração implicaria, evidentemente, uma retração também extraordinária da atividade produtiva/econômica. É plausível imaginar que a economia global capitalista tolere um encolhimento abrupto, imenso e permanente da atividade econômica?

Pergunta semelhante pode ser feita quanto ao consumo. De imediato, é fácil perceber a necessidade de eliminar o consumo de quinquilharias inúteis de vários tipos. É fácil perceber que até mesmo o consumo de alguns itens imprescindíveis eventualmente pode precisar ser racionado ou suspenso. É fácil perceber que os itens produzidos para consumo precisam durar cada vez mais, não cada vez menos. Diante dessas constatações triviais, novamente, perguntamos: é plausível imaginar que um sistema de produção que despeja de maneira crescente, acelerada e incontrolável montanhas de produto no mercado pode tolerar algum tipo de moderação do consumo global?

Para assumirmos, nesses casos, a ideia de transição como um processo que antecede um processo revolucionário, precisaríamos supor que essas tarefas são todas realizáveis ainda nos marcos da sociedade capitalista. Assim, supõe-se, a transição seria uma meta que, uma vez alcançada, ao menos garantiria as condições ecológicas de vida no planeta para que, enfim, em algum momento do futuro, a revolução seja desatada. Admitir isso implica admitir, mesmo a contragosto, que a sociedade capitalista é capaz de resolver e superar seu caráter destrutivo e desestabilizador no âmbito energético/climático. Infelizmente, é grande o número de camaradas ecossocialistas brilhantes que caem, em maior ou menor grau, nessa armadilha.

Já é possível perceber que algo aparentemente simples – conceber a transição como processo que antecede a revolução ou conceber a transição como um processo tornado possível pela revolução – tem implicações muito profundas na forma de pensar as questões táticas. Por um lado, se admitimos a possibilidade de as transições necessárias serem obtidas ainda no capitalismo, nosso programa de transição estará povoado de reformas. Reformas que podem até, ao fim e ao cabo, proporcionar tímidos avanços. Por tudo que vimos, contudo, estamos em condições de afirmar que eles seriam eclipsados pela magnitude dos avanços realmente necessários. Por outro lado, se admitimos que a transição só pode ser disputada em meio a um processo revolucionário, nosso programa de transição estará povoado de lutas que, embora formuladas em termos das urgências do presente, terão a pretensão consciente de esgarçar o tecido da sociedade capitalista até seu ponto de ruptura. Terão a pretensão de catalisar a revolução. E, posto que estamos falando de crise ecológica e climática com implicações severas para a vida no planeta, terão máxima urgência em fazê-lo.

Assim compreendida, a questão da transição e do programa de transição exige que olhemos com cuidado, sem fórmulas prontas, para a relação entre programa mínimo e máximo.

Programas mínimo e máximo

De saída, não é difícil perceber que o conceito de mínimo comporta muitas ideias diferentes, com implicações táticas diferentes, algumas inconciliáveis entre si. Ele pode referir-se ao mínimo possível de ser obtido, dadas as condições do presente. Ele pode, numa versão mais completa, referir-se ao mínimo possível no presente e que nos faz avançar em direção ao programa máximo. Numa versão piorada, ele pode referir-se ao mínimo possível sem romper com o sistema vigente; ou sem causar nenhum tipo de instabilidade social. Ele pode, ainda, referir-se ao mínimo necessário, dadas as urgências do presente ou algum horizonte temporal mais distendido. Ou ele pode, por fim, referir-se ao mínimo necessário, dado o programa máximo.

Em meio a essa variedade de mínimos, duas classes básicas aparecem: o mínimo possível e o mínimo necessário. Como nem sempre damos atenção suficiente a essas nuances, colapsamos sem perceber o possível no necessário e o necessário no possível. Em outras palavras, admitimos acriticamente que o necessário é possível, simplesmente por ser necessário. E que o possível é necessário, simplesmente por ser possível.

Naturalmente, pode existir um conjunto imenso de tarefas em que o imediatamente possível e o necessário coincidem ou tenham interseções substantivas. Esse, infelizmente, não é o caso das tarefas postas pelos desafios relacionados às crises ecológica e climática. A descarbonização do nosso modo de vida não é nenhuma tarefa banal. A moderação quantitativa e qualitativa do consumo total da humanidade não é tarefa banal. As transições que imponham mais sacrifícios às nações ricas do que às nações pobres não é tarefa banal. O acúmulo de força suficiente para impor as transições ao campo reacionário e conservador não é tarefa banal.

As dificuldades, inclusive, não se limitam à evidente magnitude colossal dessas tarefas. As dificuldades mais importantes devem-se à impossibilidade de elas serem cumpridas de maneira bem-sucedida fora de um processo de ruptura com a ordem do capital. Reconhecemos que essa afirmação é muito mais contundente e cobra uma demonstração de fôlego muito maior do que cabe no espaço desta nota introdutória. Por ora, admitamos que ela está correta e vejamos como isso pode influenciar nossa discussão a respeito do mínimo. Duas coisas sobressaem.

Em primeiro lugar, se o mínimo necessário é impossível, então o possível estará certamente aquém do necessário. E se o necessário diz respeito ao mínimo para garantir a sobrevivência de nossa espécie, então ficar aquém do necessário é, muito literalmente, mortal. E dada a velocidade dos processos de desestabilização climática e ecológica em curso, as consequências de ficarmos aquém do necessário chegam muito rapidamente. Dirigir toda nossa energia de luta ao que é possível, simplesmente por ser possível agora, não é realismo, não é pragmatismo, não é se preocupar com os carecimentos mais urgentes da classe trabalhadora. Embora, superficialmente, a aparência seja essa, tal dedicação acrítica ao possível agora corresponde a uma espécie de procrastinação histórica!

Em segundo lugar, não é nem um pouco trivial afirmar que um conjunto tão imprescindível de tarefas é impossível. Isso costuma provocar uma reação muito forte (e legítima) contra aquilo que tem toda aparência de ser uma afirmação fatalista, com todas as suas implicações deletérias. Assim, é preciso enfatizar incansavelmente que essa impossibilidade está – ao menos por enquanto – circunscrita à sociedade capitalista. Ou seja, o que está sendo dito é que tudo aquilo que precisamos fazer para resguardar um planeta habitável, até mesmo o mínimo, é impossível no capitalismo.

É o capital que não pode abrir mão de energia fóssil, não a humanidade. É o capital que não pode abrir mão de crescer, não a humanidade. É o capital que não pode abrir mão de inúmeras atividades produtivas destrutivas, não a humanidade. É o capital que precisa mobilizar todas as nossas proezas tecnológicas para garantir crescimento a qualquer custo, não a humanidade. É o capital que precisa do espaço de florestas inteiras para ocupá-lo com monoculturas intensivas, não a humanidade. É o capital que precisa garantir que o consumo seja cada vez maior, mais variado e mais veloz, não a humanidade.

A humanidade, ao contrário, precisa realizar a transição energética, contrair a demanda material sobre o planeta, eliminar setores destrutivos, mobilizar a tecnologia e o avanço tecnológico para moderar nosso impacto ecológico, garantir a plena existência e reprodução de biomas e ecossistemas, moderar o consumo global. Assim posto, fica patentemente claro o quanto aquilo que precisamos fazer é inconciliável com as necessidades mais básicas do capital. Essa incapacidade da sociedade capitalista de acomodar em qualquer medida o nosso programa mínimo (entendido, aqui, como o mínimo necessário) nos obriga a pensar um mínimo antes do mínimo.

Algo que poderia ser formulado nos seguintes termos. O mínimo necessário envolve realizar uma série de transições (energética, agroecológico, industrial, urbana etc.), e a que parece ser mais urgente e estar mais ao alcance é a energética. Mesmo ela, contudo, é irrealizável a partir de um conjunto de reformas. É, portanto, impossível enquanto ainda vivermos sob o signo do capital. Se ela é realmente necessária (se é, de fato, uma questão de vida ou morte), é preciso torná-la possível. Como é a dinâmica reprodutiva do capital que a torna impossível, apenas a superação do capital a traz para dentro do rol de possibilidades.

Do ponto de vista tático, há ramificações cruciais dessa conclusão. Ao percebermos claramente os limites e insuficiências da política institucional no interior do Estado burguês, não apostamos todas as (nem mesmo a maioria das) nossas fichas nessa via. Nessa via, estabelecemos trincheiras, sabendo que ali, na melhor das hipóteses, criamos algum atrito para o apetite destrutivo do capital.

Ao compreendermos que apenas a revolução destratava as possibilidades de ações realmente efetivas de enfrentamento das crises climática e ecológica, nos voltamos a construir a revolução, explorando sempre ao máximo as condições postas no presente (mesmo que escassas). Por fim, entendendo que alguns impactos perturbadores já são inevitáveis, nos preparamos para eles de maneira autônoma, por fora do Estado.

Em síntese, lutar pelo mundo que queremos, mas sabendo que teremos que encontrar meios de lidar com um planeta de natureza mais hostil, fruto dos séculos de destruição e desestabilização ecológica global impelidos pela lógica cega do capital. E precisamos, sim, modular nossa paciência a partir das urgências reais com as quais nos deparamos, não a partir de um ideal abstrato de paciência. E temos que fazê-lo sem um mínimo de apego pelas estruturas da sociedade burguesa em que vivemos.

O papel do programa nas lutas

O tempo em que vivemos nos coloca no centro de um complexo labirinto. Nunca esteve tão clara a contradição apontada por Trotsky entre a maturidade das condições objetivas da revolução e a imaturidade da classe trabalhadora e de sua vanguarda. Se na década de 1930 este era um problema que indicava a urgência da ação dos revolucionários junto à classe, na nossa quadra histórica a situação é mais dramática, pois como apontamos no decorrer da nota, e em especial nesta seção, as tarefas são enormes e devem ser cumpridas em um tempo relativamente curto. O diagnóstico do nosso tempo pode nos empurrar para conclusões perigosas, como a da inevitabilidade da catástrofe ou da incapacidade das nossas forças. De todo modo, não podemos deixar que o pessimismo da razão destrua o otimismo da vontade. Acreditamos na possibilidade de sair do labirinto em que nos encontramos e sabemos que a saída será apenas através da mobilização da classe trabalhadora e dos povos oprimidos em luta contra o capitalismo e suas forças destrutivas.

Por tal razão, cabe a nós entendermos que existe uma lacuna entre a nossa compreensão da crise e a consciência da classe sobre a situação atual. O desconhecimento da dimensão e totalidade dos problemas da atual situação se dão por dois caminhos. Por um lado, a classe dominante nega a existência da emergência climática, afirmando que se trata de uma conspiração da esquerda ou exagero por parte dos cientistas. Esta é a via do negacionismo. Por outro, já que o primeiro não pode convencer a todos, é posta a “sensata” opção de uma saída de mercado para o problema — o capitalismo verde que já criticamos amplamente na nota. Deste modo, a classe é bombardeada constantemente com informações que, por um meio ou por outro, a alienam das reais condições em que nos encontramos. Neste sentido, precisamos estar cientes do nível atual de consciência da classe trabalhadora de conjunto, mas também especificamente sobre o tema ecológico. Estamos situados em um longo período de derrotas da classe, o que representa um forte impacto na sua consciência e um retrocesso na sua compreensão de mundo em direção à perspectiva revolucionária. De tal maneira, nosso programa não pode ignorar os limites claros que a longa conjuntura regressiva impõe. Isto não significa que a classe e os oprimidos sejam ignorantes em relação a sua condição. Por mais que não haja uma compreensão direta da crise climática, sua conexão com o modelo capitalista e as origens concretas que criam a situação de emergência, a classe sente diretamente seus impactos (no alagamento que destrói comunidades, na seca de rios, nas plantações destruídas por ondas de calor, na chuva que provoca desmoronamento, etc.) e entende, mesmo que de forma limitada, a necessidade de encontrar soluções para o problema, especialmente à medida que se tornam mais recorrentes.

A elaboração de um programa ecossocialista deve, portanto, levar em conta o estágio atual da consciência das massas. Isto não significa nos prendermos ao estágio atual em termos de conteúdo do nosso programa e como ele se desdobra na nossa agitação e intervenção política, mas deve condicionar de maneira concreta a forma em que agitamos e intervimos na realidade. De tal modo, significa identificar as necessidades imediatas que se apresentam às massas e saber articular a urgência da condição imediata com a necessidade de superação do sistema atual. Como bem apontou Trotsky, trata-se de ajudar as massas a compreender que existe uma conexão clara entre as duas coisas — os problemas do cotidiano e o capitalismo. O que estamos argumentando, portanto, é que a conexão não se faz com palavras de ordem e consignas que não dialoguem com a consciência média da classe. Se bem é verdade que a revolução é uma necessidade e urgência do nosso tempo, também é verdade que de nada adianta tratar a questão exatamente nestes termos com as massas. Se dissermos que nada pode ser feito através da luta construída no agora, que tudo só pode ser resolvido após a revolução e, portanto, é “revolução ou nada”, estaremos pregando ou o desespero paralisante, ou um “ultimatismo” diante da classe. Construir as lutas no agora, a partir do que é a realidade concreta do cotidiano da classe, possui um papel central para a superação do capitalismo. Devemos reivindicar com toda força as pautas que dizem respeito às necessidades mais caras à classe e os oprimidos, mesmo não sendo possível realizá-las nos marcos do sistema atual. O avanço da consciência se dá no choque da classe com os limites impostos pelo sistema, o que só pode ocorrer nas lutas concretas que constituem o conflito entre as classes proprietárias e as massas trabalhadoras e oprimidas.

Por óbvio, a consciência possível que emerge das lutas espontâneas e/ou imediatas não leva necessariamente à compreensão da necessidade da superação revolucionária do capitalismo. O choque com os limites impostos pelo capital pode levar a um processo progressivo de consciência, mas também podem desembocar em processos regressivos como resultado de derrotas. Impedir que os enfrentamentos com as forças do sistema resultem em algo regressivo é papel, exatamente, do programa e do partido que o constrói. É preciso a ação consciente que faça a ligação entre as lutas imediatas e a luta revolucionária para que os saltos de consciência da classe ocorram. Ao conectarmos o “mínimo” com o “máximo” no programa, de forma dialética e não dualista, possibilitamos que a impossibilidade da realização das mudanças necessárias seja compreendida como necessidade de superação do sistema que as impossibilita. Assim, também, o partido opera como a estrutura que garante a preservação dos acúmulos gerados pela luta da classe trabalhadora, algo que também alimenta o programa — já que ele não é estático, mas constantemente formulado pelas lutas do seu tempo. Vemos muitas organizações agitarem a revolução para hoje, como se a classe trabalhadora operasse por “convocatória”: se chamarmos para a revolução, ela virá. Sabemos que este é um erro crasso e que pouco dialoga com a classe e povos oprimidos. Portanto, os revolucionários não devem partir do abstrato para a construção da revolução, mas das condições materiais da realidade que apontam de forma indiscutível a necessidade e emergência da revolução que dará fim ao capitalismo e à crise climática que ele causa.

Concretamente, devemos elaborar no nosso programa um conjunto de reivindicações que expressem as necessidades históricas da classe trabalhadora e povos oprimidos no Brasil. A nível nacional, é necessário defender e exigir a preservação das florestas e ecossistemas remanescentes, e, de forma concomitante, é urgente reverter os impactos ambientais gerados pela degradação, através da restauração/recuperação ecológica de áreas degradadas. Sabemos que não erradicam a raíz do problema, mas essas demandas não devem ser secundarizadas pelas organizações que têm o ecossocialismo como estratégia revolucionária. Devemos, pois, encará-las como uma das condições materiais básicas para garantir o mínimo à população, que é sobrevivência, sobretudo aqueles que são mais afetados, ampliando nossa capacidade organizativa. Precisamos evitar e mitigar os piores cenários desde já!

Defender nossas florestas e combater mais degradação e exploração da natureza em benefício do capital é também defender a existência e modos de vida dos povos e comunidades tradicionais.

O agronegócio e o modelo tradicional agrícola hidrointensivo e químico-dependente, sustentado pelos latifundiários e grandes corporações internacionais não garante comida no prato dos explorados, lucram em cima de grandes impactos ambientais e contribuem significativamente com as emissões de CO2 do Brasil, conforme dito anteriormente na questão agrária. É preciso defender e pensar na produção agrícola e de alimentos que garantam soberania e segurança alimentar e que causem o menos impactos possíveis para os ecossistemas (fauna, flora, solo, recursos hídricos etc), incentivando sistemas produtivos agroecológicos que promovam a diversidade de alimentos e combatam não só a lógica monocultural, mas que seja livre de agrotóxicos e que produzam em prol interesse da classe trabalhadora, tanto urbana quanto rural, ou seja, que combata o agronegócio e a produção agrícola voltada para os interesses do imperialismo.

Defender e exigir políticas públicas que ampliem e incentivem o uso de Sistemas Agroflorestais biodiversos e agroecológicos, entendendo que estes são sistemas complexos que se baseiam na dinâmica natural de uma floresta e apresentam diversos benefícios ecológicos, como por exemplo alta capacidade de captar carbono da atmosfera, importante para mitigar os cenários catastróficos da crise climática, originariamente manejadas pelos povos indígenas e tradicionais da Floresta Amazônica e Mata Atlântica, tanto como fonte de alimento e de água para agricultores familiares e povos tradicionais mas também como ferramenta alternativa de restauração ecológica.

Também é preciso elaborar um programa que ofereça as ferramentas necessárias para respondermos politicamente aos eventos que ocorram. Quando um período intenso de chuvas resultar em alagamentos e enchentes com efeitos destrutivos, é preciso que consigamos criar — a partir da ligação direta e construção conjunto com os atingidos — a conexão que liga estes eventos extremos não só com a crise climática, em um sentido amplo e abstrato, mas com o agronegócio e a mineração que devastam a nossa natureza e criam as condições para tal situação. O mesmo vale quando diversas regiões do Brasil passam por longos períodos de seca, isto abre a possibilidade de enfrentar o discurso individualista que a mídia circula constantemente e apontar que as secas são resultado de desmatamento e também do uso — e desperdício — majoritário da água na agropecuária. Nos meios urbanos, também é possível ligar diretamente o impacto dos eventos extremos nas periferias e a forma que as cidades são organizadas, totalmente fundamentadas no racismo ambiental que o capitalismo utiliza de maneira constante desde sua penetração na América Latina. Lutas por transporte público acessível e de qualidade, saneamento básico, arborização, segurança alimentar, entre tantas outras, são reivindicações que fazem parte da luta ecossocialista e do enfrentamento ao sistema. Nenhuma destas lutas está sendo proposta por nós, ou trata-se de uma revelação inédita por parte dos ecossocialistas da Resistência, mas são reivindicações históricas e lutas muito presentes na história da classe trabalhadora e povos oprimidos no Brasil. Vemos há mais de 500 anos estas lutas se desdobrarem de diferentes formas. São reivindicações que levam ao choque com os interesses do capital, assim como com a incapacidade do Estado em resolver os problemas, e é isto que gera o atrito que desejamos. Não a mera convocação à “superação do capital”. Portanto, o programa orienta a forma em que intervimos nas pautas e lutas já existentes no seio da classe. O programa dá o tom ecossocialista da nossa intervenção e possibilita que a própria classe adote, progressivamente, a perspectiva revolucionária ecossocialista.

A tendência de agravamento das manifestações da crise fará com que a cada ano a deterioração das condições de vida da classe trabalhadora por consequência das mudanças climáticas seja sentida de forma mais presente e mais radical. Assim, a necessidade de superação do capitalismo para evitar a destruição ecológica será mais facilmente perceptível — isto, é claro, se os revolucionários forem bem sucedidos em demonstrar a conexão entre as coisas. Por tal razão, a mediação entre o que é urgente no cotidiano e necessário historicamente possui papel tão relevante. Faremos isto a partir das lutas, a partir do que é mais imediato para a classe, a partir da realidade concreta, entendendo o papel educativo e necessário das reivindicações transitórias. Trotsky já apontava que chegamos em um momento histórico no qual cada reivindicação por reformas sistemáticas aponta necessariamente para além dos limites do capitalismo e do Estado burguês. É nisto que nos apoiamos, entendendo que “o que distingue a época atual não é o fato de ela liberar o partido revolucionário do trabalho prosaico diário, mas o de permitir conduzir esta luta em união indissolúvel com as tarefas da revolução” (TROTSKY, 2017 (1938), p. 21).

O programa que construiremos será um programa coletivo. Portanto, não temos a pretensão de nesta nota apresentar o programa ecossocialista que a Resistência aplicará, mas elaborar algumas linhas gerais de análise que permitam vislumbrar o programa, assim como algumas linhas práticas que já emergem claramente das lutas do nosso tempo. Portanto, no anexo a seguir, procuramos extrair algumas linhas práticas da reflexão apresentada na nota.

ANEXO

Sabendo que:

  • Há décadas a humanidade opera além dos limites ecológicos do planeta. (Meadows, Randers e Meadows 2005).
  • A sociedade capitalista é inviável ecologicamente. (Sá Barreto 2018).
  • Ela é incapaz de moderar sua demanda material sobre o planeta.
  • Ela é incapaz de mobilizar os avanços tecnológicos em sentidos que não sejam destrutivos.
  • As mudanças climáticas já estão em curso acelerado.
  • A atmosfera jamais teve tamanha concentração de gases de efeito estufa na história de nossa espécie. (Cui, Schubert e Jaren 2020).
  • Variáveis importantes há muito excederam os níveis observados no Holoceno. (IPCC 2019).
  • § A temperatura média do planeta nunca esteve tão alta nesses últimos 12.000 anos.
  • § E os oceanos nunca estiveram tão quentes, ácidos e desertificados.
  • A taxa de extinção de espécies atualmente é pelo menos mil vezes superior à taxa natural de fundo. (IPBES 2019).
  • A calota polar ártica está colapsando, os mantos de gelo da Groenlândia e da Antártida estão fortemente ameaçados, glaciares no mundo todo estão colapsando. (IPCC 2019).
  • Nossa capacidade de produzir alimentos em grande escala está sob riscos expressivos. (IPCC 2020).
  • As trajetórias de mitigação preconizadas pelo IPCC são tremendamente exigentes. (IPCC 2018).
  • Redução de 45% nas emissões globais, em relação ao nível de 2010, até 2030.
  • Emissões líquidas nulas até 2050.
  • Atender essas metas exigiria reduções anuais de ao menos 7% a.a., por 30 anos consecutivos. (IPCC 2018).
  • Os compromissos definidos no Acordo de Paris, caso integralmente cumpridos, seriam suficientes para realizar apenas metade desse esforço de mitigação. (IPCC 2018).
  • O Estado burguês, independentemente de quais grupos ocupem as posições de poder, é estruturalmente incapaz de conter a vocação destrutiva do capital.
  • Ao contrário de nós, o campo conservador já vem se preparando diligentemente para essa nova realidade. (US Intelligence Community 2013) (US Intelligence Community 2019).

RESOLVE

Reconhecendo os limites e as insuficiências da política institucional diante da magnitude do que deve ser feito, estabelecer as seguintes trincheiras:

  • Lutar pelas reformas estruturantes: Reforma Urbana e Reforma Agrária Popular e Agroecológica Já.
  • Organizar a atuação junto a movimentos e redes em defesa de biomas.
  • Bloquear qualquer iniciativa de privatização do saneamento e das águas.
  • Desmatamento Zero.
  • Fortalecer a agroecologia.
  • Estimular a agricultura urbana e periurbana.
  • Fortalecer uma Campanha Nacional em defesa da Floresta Amazônica e dos povos originários. Pela demarcação de territórios indígenas, preservação das Unidades de Conservação e combate ao garimpo ilegal.
  • Exigir restauração ecológica nacional em larga escala.
  • Regulamentarização e recomposição das APPs (Áreas de Preservação Permanente) e RLs (Reservas Legais) de acordo com a legislação.
  • Lutar pelo mapeamento de riscos (encostas, baixadas, ocupações, áreas de cultivo, adensamentos populacionais etc.)
  • Lutar por adaptações da infraestrutura urbana em áreas mais vulneráveis a impactos previsíveis da crise climática
  • Nenhum trabalhador fica pra trás. Toda transição ou mudança com vistas a diminuir ou mitigar ações nocivas à natureza e suas consequências para todas as formas de vida, devem conduzir os trabalhadores a condições iguais ou melhores das que desfrutavam.
  • Redução da jornada de trabalho. Essa reivindicação atrela-se também à necessidade imediata de reduzir o ritmo da atividade humana que comprovadamente é o vetor do aumento da temperatura no planeta.
  • Valorização do trabalho reprodutivo. Os trabalhos de cuidados, quase sempre relegados às mulheres – que são afetadas de maneira mais aguda pela crise ecológica, em especial às mulheres negras –, devem ser valorizados inclusive por meio da remuneração às pessoas que desenvolvem essas tarefas.
  • Consulta prévia, livre, informada e com respeito ao possível veto das populações locais, contra a implantação/ampliação de empreendimentos em seus territórios.
  • Demandar a constituição de abrigos capazes de receber grande número de pessoas na ocorrência de eventos extremos.
  • Atrasar ao máximo possível a abertura de novos pontos de exploração de petróleo, carvão ou gás.
  • Atrasar ao máximo possível planos de ampliação de infraestrutura energética baseada em fontes fósseis.
  • Atrasar ao máximo possível planos de ampliação de capacidade instalada de geração que afete ou desloque populações locais.
  • Bloquear subvenções públicas a indústrias altamente poluidoras (p.ex. automobilística).

Reconhecendo o caráter destrutivo do capitalismo e reconhecendo que apenas sua superação destrava as possibilidades de ações realmente efetivas de enfrentamento da crise climática, estabelecer o seguinte horizonte:

  • Investir nosso tempo e energia superando o caráter ainda artesanal de nossa formação, denúncia e agitação.
  • Discutir profundamente os efeitos da crise ecológica sobre a classe trabalhadora e os povos oprimidos.
  • Encontrar alternativas que não envolvam a simples defesa acrítica do emprego ou uma defesa iludida dos assim chamados empregos verdes.
  • Discutir profundamente quais tipos de sacrifícios (pessoais e coletivos) são inevitáveis, quais são aceitáveis e quais são inaceitáveis.
  • Discutir profundamente os métodos de ação direta; não ter como princípio evitar o confronto a qualquer custo.
  • Discutir a forma de atuação junto a movimentos sociais e promover a organização ecossocialista.

Reconhecendo que uma série de impactos climáticos e ecológicos já são inevitáveis:

  • Mapear impactos previsíveis.
  • Organizar planos de contingência (por fora do Estado).

§ Mapear áreas relativamente próximas aos centros urbanos capazes de receber assentamentos. (critérios jurídicos não devem ser levados em conta).

§ Mapear rotas viáveis para deslocamento de grandes contingentes.

§ Elaborar e constituir uma logística de distribuição de alimentos e itens básicos que possa ser acionada sempre que eventos extremos romperem o funcionamento “normal” do cotidiano.

§ Estabelecer parcerias com os movimentos do campo, da floresta e das águas.

  • Formar nossos militantes: bioconstrução, agroecologia, casa de sementes crioulas, saneamento ecológico etc.
  • Capacitar militantes para atuação de grupos de apoio às comunidades atingidas por desastres.
  • Constituir lideranças capazes de acionar e mobilizar toda essa logística.

ECOSSOCIALISMO OU BARBÁRIE, ECOSSOCIALISMO OU EXTINÇÃO

Referências:

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Nota assinada por membros da Comissão da Equipe Nacional de Ecossocialismo da Resistencia responsável pela elaboração deste documento:

Dafne Sena (Co-vereadora Bancada Feminista e membra CN) – Regional São Paulo/SP

Eduardo Sá Barreto – Regional Niterói/RJ

Marina Amaral (Executiva Nacional da Juventude) – Regional Salvador/BA

Matheus Hein (Coordenação Nacional da Juventude) – Regional Porto Alegre/RS

Pierre Tazzo – Regional Porto Alegre/RS

Renata Belzunces – Regional São José dos Campos/SP

Thalles Monari (Membro CR SP) – Regional São Paulo/SP

Vitória Derisso (Equipe Ecossocialista da Juventude) – Regional São Carlos/SP

  1. Existe um crescente consenso de que já transitamos para uma outra época, que vem sendo denominada de Antropoceno. Como o marco inicial desta época ainda não está definitivamente inscrito na escala de tempo geológica, passaremos ao largo desse debate nesta Nota Introdutória.
  2. https://www.museunacional.ufrj.br/guiaMN/Guia/paginas/2/14hominideos.htm.
  3. Para mais informações, sugerimos fortemente a leitura: Dia da Mata Atlântica: Entenda como o governo Bolsonaro age para destruir a floresta – Esquerda Online
  4. Embora altamente degradada, a Mata Atlântica concentra alta biodiversidade e espécies endêmicas justificando ser enquadrada como hotspot – conceito criado pelo ecólogo Norman Myers em 1988 – e consequentemente exigir prioridade internacional em conservação.
  5. Aqui vale a pena destacar a aprovação da Lei nº 12.651/2012, também conhecida como Novo Código Florestal, que gerou debates e polêmicas a nível internacional, em que cientistas e especialistas do mundo inteiro denunciaram o retrocesso ambiental que geraria as alterações em relação ao Código Florestal de 1965. O ano de 2012 também foi marcado por um profundo ataque às tribos indígenas Guarani-Kaiowá. O PL 2159/2021 da Lei Geral do Licenciamento Ambiental em tramitação do Senado, pode resultar em um golpe mortal na legislação ambiental do Brasil.
  6. Caracterização apresentada no documento “Caderno Preparatório para a pré-Conferência Eleitoral da Resistência”, p.13.

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